sexta-feira, 23 de março de 2018

ENTREVISTA COM ELINAUDO BARBOSA - MÚLTIPLO 16 - JANEIRO/2018

Entrevista com Elinaudo Barbosa

Nome, idade, local de nascimento.
Antonio Elinaudo Daniel Barbosa, 42, 30/junho/1975 em Fortaleza-CE
Onde reside hoje?
Fortaleza-CE

Como começou a desenhar e o que curtia?
Eu morava no interior e na época escola infantil era bem difícil, então meu pai contratou moças que tinham algum estudo para serem minhas primeiras professoras, lá pelos 5, 6 anos de idade. Nessa mesma época eu comecei a desenhar. Não lembro quando exatamente, mas lembro bem que uma dessas professoras, sabendo que eu gostava de desenhar, passava para eu copiar os textos e ilustrá-los com meus desenhos, o que me deixava animado para fazer as tarefas. Daí então não parei mais.

Quais foram as suas influências? Algum artista em especial?
Meu primeiro contato com quadrinhos foram as revistinhas Disney que ganhei na infância e logo me pus a copiar os desenhos da turma de Patópolis. Meus preferidos eram as aventuras criadas e desenhadas por Carl Barks, o homem dos patos. Foram também essas aventuras que me deram uma noção da extensão do mundo, já que eu morava num lugar que não tinha nem luz elétrica. Depois veio o Fantasma, o primeiro mascarado que vi nos quadrinhos, e só na adolescência, já morando em Fortaleza, comecei a ver super-heróis. George Pérez foi minha maior influência nesse período e vejo essa influência hoje nos meus roteiros. Crise nas Infinitas Terras foi o quadrinho mais marcante e que me fez desejar ter um universo de super-heróis próprio.
Qual o seu gênero preferido?
Meu gênero preferido para ler ainda são as aventuras clássicas da Disney. Depois disso vem os super-heróis pré-anos 1990.

Além de desenhista/roteirista, tem alguma outra profissão?
Sou ilustrador, infografista e designer gráfico há mais de 20 anos. Já trabalhei em jornal e já fiz muita coisa para livros, revistas, internet etc. Fora isso tenho uma trajetória no movimento socioambiental, onde até fundei uma ONG e também tenho atuado como terapeuta holístico, consultor de ONGs, consultor para pessoas etc. Eu sou o que se chama de multipotencial, sempre estou fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo, quase sempre em áreas distintas.

Sua arte é um hobby ou uma profissão?
Como falei antes, o desenho e a arte gráfica são profissão. Porém os quadrinhos ainda são um hobby que pretendo transformar em um negócio nos próximos anos.

Algum fato inusitado marcou sua carreira?
Na parte dos quadrinhos tem algo inusitado. Na adolescência eu criei e co-criei vários super-heróis e desejava já nessa época fazer HQs desses personagens. Porém, nas primeiras experiências eu achei extremamente maçante o processo de produção de quadrinhos e resolvi que não teria nunca paciência para aquilo. Então abandonei os personagens e deixei para lá a ideia de virar quadrinista. Só em 2014, já com 39 anos, foi que isso mudou. E o inusitado no inusitado é que não foram os quadrinhos que me fizeram mudar de ideia, foram as séries de TV da DC. Assim que comecei a acompanhar as séries do Arqueiro Verde e do Flash comecei a relembrar do velho sonho de ter meu próprio universo de heróis. Como eu tinha perdido todos os desenhos da adolescência, tive que criar do zero. Aí comecei a rabiscar e a estudar o mercado nacional de quadrinhos, para ver o que vinha sendo publicado, quais eram as perspectivas e se valia a pena investir nisso aqui, visto que no mundo, super-heróis estavam em alta. Concluí que valia a pena e no final de 2015 lancei minha primeira HQ.

Como vê o mercado de HQs no Brasil?
Ainda muito incipiente. Acredito que haja bastante espaço para crescer, mas para que haja esse crescimento é necessário ter mais gente com visão empreendedora de longo prazo atuando na área.
Na área específica onde estou atuando, que é a dos super-heróis, eu vejo o mercado brasileiro parecido com o que era o mercado estadunidense na chamada Era de Ouro. Muitos personagens soltos e pequenos universos agindo de forma independente em histórias independentes. E as tentativas que tem surgido de criar histórias em crossovers e universos compartilhados poderão desembocar em algumas fusões que, a meu ver, podem começar a profissionalizar o mercado e aí poderemos seguir para outros patamares.

Que tipo de incentivo o artista necessita para vencer?
Acho que o maior incentivo é pessoal, do artista para consigo mesmo. Se há autodeterminação e autoconfiança, ele consegue alcançar o sucesso.

O que a arte pode fazer como transformação na vida das pessoas?
A maior transformação que a arte pode trazer é ampliar os horizontes, dar mais possibilidades para as pessoas pensarem livremente.

Tem admiração por algum artista em especial?
Os primeiros são Carl Barks e Giorgio Cavazzano, dois dos grandes mestres da Disney. Aí vem a dupla Jack Kirby /Stan Lee, pois, guardadas as devidas proporções sou um pouco dos dois; Frank Miller, de quem busquei imitar os quadrinhos sem traços de movimento; George Pérez, que foi quem realmente me inspirou a criar um universo; e, aqui no Brasil, Maurício de Sousa, que embora não seja da área dos heróis é o herói de todo quadrinista brasileiro que sonha em ter sua própria editora.

Quais as parcerias que realizou durante sua trajetória?
Nos quadrinhos só tive um parceiro na adolescência, chamado Erivando Costa, que hoje é tatuador, e com quem eu criava super-heróis que nunca foram publicados. Depois disso tive esse longo hiato que mencionei antes e por enquanto ainda estou em carreira solo.

Qual o seu trabalho que mais marcou?
Ainda não publiquei tanta coisa para ter um preferido. Chegarei lá.

Qual o impacto que espera que seus personagens causem nas pessoas?
Eu sou da terra de Luiz Severiano Ribeiro, que foi dono de muitas das mais belas salas de cinema de rua do Brasil, e sempre gostei do slogan dele: “cinema é a maior diversão”. Acho que a principal função do quadrinho, assim como do cinema, é divertir. O resto é subtexto, que a gente pode botar em quantas camadas quiser e conseguir. Então o que mais espero é que as pessoas se divirtam com meus personagens e com minhas histórias e que os guardem na memória como eu guardei tantos que li até hoje de outros autores. Fora isso eu gostaria de poder contribuir para eliminar de vez a ideia de que no Brasil não se pode ter super-heróis, no máximo anti-heróis sem poderes. É uma crença boba que desencoraja muitos autores de investir em suas criações e ficarei feliz em poder mudar isso.

Alguma gratidão a alguém? Alguma mágoa?
Sem citar nomes, sou grato a todos que apoiam, incentivam e leem meus quadrinhos. Mágoa, não tenho de ninguém.

Tem algum projeto futuro?
Transmídia. Quero levar meus personagens dos quadrinhos para as diversas mídias, como a TV e os games.

O que deixaria para seus leitores?
Um universo de personagens nos quais eles possam se ver, se inspirar e, claro, se divertir com as histórias.

O que o inspira na hora de criar?
Principalmente o cotidiano, os dramas pessoais, as diversas visões que as pessoas têm do mundo. E às vezes fatos específicos, onde posso filosofar de maneira sutil através das falas, ações e visões dos personagens.

Qual personagem seu é o favorito?
A Gata Púrpura é meu xodó, mas os outros não precisam ficar enciumados, pois eu me apaixono por cada história que estou criando. Tanto que atraso a finalização delas por causa do perfeccionismo.

Você tinha me falado que tinha um projeto especial para a “Brasiliana”, pode nos contar sobre?
Todas as HQs do meu universo de heróis, o Universo EB, seguem uma cronologia que as integra, mesmo de personagens que atuam num nicho específico, como a Gata Púrpura, cujo foco é a defesa dos animais. Uma trama longa costura as principais histórias e irá desembocar em batalhas envolvendo todos os personagens. O arco de origem da Brasiliana, que estou fazendo em formato de minissérie com 5 a 6 capítulos (a depender da roteirização do argumento) vai fornecer informações-chave dessa trama. Além disso, suas histórias mexem num tema bem marcante no Brasil atual, a corrupção na política. Brinquei um pouco com isso nas redes sociais quando comecei a divulgar a personagem e houve até uns debates acalorados nos comentários das postagens. Acho que a moça de verde e amarelo vai dar umas cutucadas nessa ferida.

E o Doutor do Tempo?
O Doutor é uma figura do passado, com cara de Raul Seixas, que viaja pelo tempo há tanto tempo que (ironicamente) não consegue mais dizer exatamente que idade tem. Seu visual tem uma inspiração na estética steampunk e ele usa um misto de magia com tecnologia avançada, que chamo de tecnomagia. Ele tem um papel importante no Universo EB, pois suas viagens pelo tempo e pelas dimensões permitirá a interligação de muitos elementos da grande trama que unifica as histórias dos meus personagens.

Sobre o que fala a maioria de suas HQs? Algum outro personagem seu que gostaria de falar sobre?
São histórias de super-heróis que se passam no Brasil ou que tem o país como referência principal em um universo onde é considerado natural pessoas nascerem com superpoderes, muito embora elas ainda escondam isso do público atrás de máscaras e pseudônimos. Uma característica marcante do meu universo é que tem muitas protagonistas femininas. Resolvi pesar mais no gênero feminino porque percebo que há uma predominância ainda de heróis masculinos. Além da Gata Púrpura e da Brasiliana, uma outra personagem vai estar estreando ainda neste primeiro trimestre: a Dama de Aço. É ela que o Doutor do Tempo está viajando para ajudar no último quadrinho de Universo EB #1 (HQ que saiu aqui no múltiplo, ed. 14). Em Universo EB #2 começa um arco de 3 HQs que contará brevemente sua origem e também colocará mais elementos na grande trama que permeia minhas histórias.

Como vê o cenário independente de HQs no Brasil?
Na mina visão tem dois tipos de independentes, o underground, aquele que é independente por escolha própria e pretende continuar assim, e tem o independente que está em busca de se tornar profissional e vender para um mercado maior e mais organizado. É o cara que faz quadrinhos por prazer, mas quer também ganhar dinheiro com isso. Eu acredito que haja espaço para se criar um bom mercado de quadrinhos no Brasil, afinal somos mais de 200 milhões de pessoas vivendo aqui. Mas para que isso aconteça nossos quadrinistas hoje independentes precisam aprender (e se permitir) pensar como empreendedores, criando produtos que possam ser vendidos e popularizados e pensando formas de fazer e vender quadrinhos para além do que eu tenho chamado de “Catarse Comics”.

Breve currículo e considerações finais.
Desenhista autodidata, desenho desde a infância e atuo profissionalmente como ilustrador e designer há mais de 20 anos. Em 2015 iniciei a produção de histórias em quadrinhos do Universo EB de super-heróis, com personagens e histórias criados por mim e lançadas em formato digital.
Agradeço ao amigo André Carim pela oportunidade de falar de meus personagens e das minhas ideias neste privilegiado espaço que é o Múltiplo, do qual já tive o prazer de participar com minhas HQs. Estou aberto a conversar sobre essas ideias que falei aqui na entrevista, relativas ao mercado nacional de quadrinhos, em especial o de super-heróis, que é a minha praia e, poderia dizer minha paixão. E também estou aberto a parcerias que sejam interessantes para o crescimento dos meus personagens. Por fim, deixo aos leitores do Múltiplo um forte abraço e desejos de um 2018 cheio de grandes aventuras na nossa nona arte.

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