Entrevista com
BIRA DANTAS
Múltiplo
Quem é Bira Dantas? Qual a origem do apelido?
Bira Dantas: Sou um paulistano, criado no Rio de Janeiro, e agora um caipira do interior paulista. Quando meus pais, potiguares, escolheram meu nome Ubiratan, o apelido Bira veio junto. Quando fiz meus trinta e poucos anos, achei que estava velho demais para assinar Bira e passei a assinar Ubiratan em tudo. Até que o premiado cartunista Dálcio me disse que estavam a me confundir com o Biratan, do Pará, nos Salões de Humor. Ele me convenceu a voltar a assinar Bira. Depois vi um outro Bira na Chargeonline e resolvi adotar o sobrenome da minha mãe e virei o Bira Dantas.
Começou sua trajetória nas HQs através dos cartuns? Nos conte como foi.
Bira Dantas: Fui fundador do PT, junto com meus irmãos e minha mãe em 1979, e fazia charges e quadrinhos militantes para todo mundo: movimento estudantil, oposições sindicais, jornais de esquerda. Tudo paralelo aos Quadrinhos dos Trapalhões. Em 1982 eu já tinha apoiado várias oposições sindicais. Uma delas ganhou (Sindicato dos Químicos SP) e me chamaram para trabalhar lá. Ganhando mais que dobro do que ganhava como quadrinhista, trabalhando apenas 5 horas diárias. Não tive dúvida.
Como você vê o universo independente de quadrinhos no Brasil?
Bira Dantas: Com muito entusiasmo. Eu lembro de ver originais de HQs do Pacheco e do Arthur Garcia, no estúdio Ely Barbosa, que eles não tinham onde publicar. Só foram publicar muito tempo depois na editora Maciota, Vidente e Opera Graphica. O espaço que a gente tinha eram os fanzines e revistas independentes. Eu adoro este universo e dou o maior apoio. Como disse Alan Moore: “O futuro dos Comics é no mercado independente e alternativo, o mainstream vai desmoronar. ”
O que considera mais importante a ser discutido em relação a HQs no Brasil?
Bira Dantas: Projetos editoriais, pagamento por produção, distribuição e mercado de consumo. O quadrinista tem que receber um valor fechado por página e mais os 10%, pois o adiantamento dos royalties não dá para quase nada. As editoras têm de investir em propaganda e marketing. Quando revistas em quadrinhos custarem menos, se falar delas na TV aberta e o brasileiro ganhar mais, a coisa muda de figura.
Nos anos que se dedicou aos quadrinhos e às caricaturas, em quais trabalhos você esteve? Editoras, projetos individuais, fanzines, fale um pouco de tudo isso.
Bira Dantas: Gosto de ser polivalente. Trabalhei no Sindiluta (Sindicato dos Químicos), jornais Retrato do Brasil, Folha da Tarde, Graphiq, Diário do Povo e Correio Popular (Campinas). Fui intercalador do estúdio de animação Briquet. Ilustrei a Ciranda da Ciência do grupo Hoechst, alguns livros infantis e didáticos, participei de coletâneas da Ed. Virgo, do cartunista Mastrotti. Faço charges para o Sinergia CUT, Sindipetro SP e Norte Fluminense, FUP e SINDAE.
Tive o programa “Rockenstein” em rádio, em Paulínia, nos anos 90.
Publiquei na Quadreca, Sem Essa, Porrada, Pântano, Mil Perigos, Tralha, Mega Zine, Excomungados, Camiño de Rato, Prismarte, Quantum Spies (Coréia do Sul), NFL Zine, Graphite (Portugal), A Mosca no Copo de Vidro e Outras Histórias, A garagem hermética, Ziniol (Polônia), Miséria, Quadrante X, Tchê Zine, O Sótão, Quadritos, SubZine. Entre outros.
Sou vocalista e gaitista na banda de pop-rock Tio’s Rex.
O que você considera ser cartunista?
Bira Dantas: Olhar para os fatos do cotidiano com a importância que eles têm. Olhar para o povão com respeito por seu sofrimento e suas lutas. Nunca fazer humor baseado em preconceito, contra minorias ou grupos oprimidos. Nenhuma guerra é válida. O povo invadido deve ser sempre defendido. Se há guerra, é porque os invasores de sempre querem se dar bem, de novo. E vão usar a máquina da imprensa para fazerem o oprimido admirar o opressor, como disse Malcolm X. Ser cartunista é ser solidário aos trabalhadores no momento em que estão destruindo direitos trabalhistas históricos e não cair no papo de que vão modernizar a CLT. A nossa CLT não é a mesma de Vargas há décadas, esta imprensa golpista finge que não tivemos uma Constituinte em 1988, e vários adendos nas Leis Trabalhista, modernizando-as. O único resquício autoritário é o malfadado Imposto Sindical, que alimenta os pelegos. Sou a favor da liberdade na contribuição.
Segue alguma linha em especial? Sua inspiração vem de onde?
Bira Dantas: Não. Todos os dias acordo, vejo o noticiário em sites e blogs de opinião. Rabisco as ideias. Na hora do almoço assisto aos noticiários de baixa qualidade da TV. Vou para o computador e finalizo as charges. Quem me inspira são pessoas espirituosas como Osvaldo Pavanelli, Mario, Santiago, Eugênio, Kayser, Aroeira, Bob Fernandes, Paulo Henrique Amorim, Luis Nassif, Elias Aredes e alguns advogados do site Justificando…. Eu gosto de ouvir pessoas inteligentes e bem informadas.
Por desenhar caricaturas, teve algum problema com alguém?
Bira Dantas: Já fui processado pelo Sindicato dos Eletricitários SP, da Força Sindical, porque fiz charges criticando o seu peleguismo. Nos dois casos, a Justiça considerou as ações sem fundamento. Eu e Latuff sofremos tentativa de censura por parte do governador Geraldo Alckmin e do senador José Serra. Eles moveram ação na justiça contra o PT, em virtude de charges ironizando o “Trensalão” ou Metrogate, de São Paulo”, exigindo a retirada das charges da internet. O juiz Valdir da Silva Queiroz Junior, da 9ª vara cível SP indeferiu. Em 2006 publicava muitas charges no Blog Amigos do Presidente Lula e recebi a seguinte ameaça de Álvaro Dias (quando era senador do PSDB): “Senhor Bira, cabe a mim alertar que vocês está cometendo ato de difamação, Cabe ainda um alerta que usarei os recursos que a lei me permite para processar este antro que se diz blog que nada mais é que um bando de corruptos sem escrúpulos. Álvaro Dias, Senador da República”. Me defendi respondendo: “Pois é, senador Álvaro Dias, as investigações mostrarão os verdadeiros corruptos desta nação. E tenho certeza que a grande e esmagadora maioria não virá do PT, mas de partidos que vossa excelência costuma chamar há muito tempo de “aliados”.
Acabei de assistir ao JN, da Globo, mostraram denúncias contra Geraldo Alckmin, contra políticos do PFL e contra o PMDB carioca que apoia Garotinho. Estou vendo mesmo quem está atolado na lama. O chargista ao mostrar ou criticar um fato, não comete ato de difamação. Ele cumpre com seu papel político. Se eu não quisesse cumprir o meu, mudaria de profissão ou ofereceria minhas charges aos pefelentos e tucanalhada. E isso, meu senhor, pode ter TOTAL e ABSOLUTA certeza que eu não farei NUNCA. Aliás, nunca fui corrupto, nem sem escrúpulos. Só deixei de pagar algumas contas na data, mas paguei com multa e juros depois. Passar bem. Bira Dantas, chargista, cidadão e colaborador totalmente gratuito do blog. “
Conheci o senso de ética da equipe do site dele, quando pegaram uma charge que eu havia feito para a Federação dos Petroleiros, tiraram minha assinatura, a adulteraram e publicaram. Alertado pela FUP fiz um escândalo no Blog tucano, deveria ter ficado quieto e ter processado o senador que posa de ético, mas usa o jatinho do doleiro Alberto Youssef. Eles pediram desculpas: “Retirarei sem problema algum. Minha assessoria ilustrou matéria usando a imagem. Peço desculpas. ”
Nos conte como é retratar o melhor e o pior de personalidades e de amigos?
Bira Dantas: É uma diversão! Quando eu vejo um amigo já imagino a caricatura. Quanto a melhor e pior, são relativos. Eu tenho olhos pequenos, dentes limpa-trilhos, cabelo amalucado, sobrancelha e nariz de turco. Não posso esperar uma caricatura que não tire sarro disso. Eu mesmo tiro!
Você desenhou durante algum tempo “Os Trapalhões”, como foi fazer esse trabalho e qual o retorno que você teve com ele?
Bira Dantas: Sim, de 1980 a 1982. Minhas primeiras entrevistas na web foram em função de ter trabalhado no estúdio Ely Barbosa.
Um belo dia de 1979, minha mãe abre o jornal e vê um anúncio de estágio para desenhistas com ou sem experiência. E gritou:
- Sem experiência é você, filho!
Lá fui eu conhecer o estúdio do Ely Barbosa na av. Indianópolis, zona sul. Era do outro lado da cidade. Eu morava no Tatuapé, na zona leste. Foi uma experiência única. Eu era um cara de 17 anos, doido para trabalhar com Quadrinhos, só tinha desenhado super-heróis até então. O Ely Barbosa produzia animações para o Baú do Silvio Santos, gibis “Festival Hanna-Barbera” pra Rio Gráfica (atual editora Globo), Os Trapalhões (editora Bloch) e o programa Turma Tutti-Fruti para TV. No estúdio fui acompanhando a produção de roteiros, desenho, arte-final, letreiramento, guia de cores pintados com ecoline e pintura de capas com guache. Mas, logo em seguida virei assistente do Mestre Eduardo Vetillo, que desenhava Hanna-Barbera, Os Trapalhões, Disney, Chet e Spectreman.
Em 1980, o Vetillo disse que o Ely precisava de mais desenhistas e disse que eu já estava pronto para assumir. Me sentia no paraíso. Passava no estúdio do Ely Barbosa 2 vezes por semana para pegar roteiros para desenhar. Conversava com o pessoal da arte, encontrava outros free-lancers que passavam por lá. Via os livreiros-andantes que levavam livros de arte para vender (mas eu nunca tinha grana, só dava para os gibis de banca mesmo). O Ely era um cara muito boa-praça. Sarrista, me chamava de “vermelho” por eu ser petista. Tinha um acervo de Quadrinhos e Arte que liberava para a gente estudar. Ele era muito voltado para o merchandising dos personagens e tinha sempre gente famosa lá (Matilde Mastrangi, Éder Jofre, Marthus Mathias, dublador do Fred Flintstone nos desenhos e Otávio Mesquita). Mas o legal mesmo era encontrar Mingo, Genival, Pontes, Cidão, Sérgio Vallezin, Cleyton Caffeu, Vetillo, João Batista Queiroz, Sérgio Lima, Bonini, Watson Portela, José Lanzelotti, Vila, Arthur Garcia, Wanderley Feliciano e Orlando Costa por lá. O estúdio fervilhava de ideias.
Hoje, você ainda trabalha com caricaturas né? Quais projetos te dão mais prazer em fazer?
Bira Dantas: Sim. Gosto de fazer caricaturas para Flash Expos do Jal, sempre com personalidades interessantes. Mando trabalhos para Salões de Humor e publico caricaturas de desenhistas e roteiristas da Bonelli entrevistados pelo conceituado Blog do TEX, do José Carlos Francisco. O Projeto Quadrinhos Inquietos, com Marcos Venceslau, Fernando dos Santos é muito prazeroso, apesar de não ser de caricaturas!
Utiliza alguma referência histórica ou de desenhos nos seus trabalhos?
Bira Dantas: Em Memórias de um Sargento de Milícias, eu procurei muitas referências na internet, mas foi no livro de aquarelas do alemão Eduard Hildebrandt (que esteve no Brasil em 1844), que eu achei boa parte do visual que eu usaria na HQ. Ele havia morado no Rio e pintado uma parte dos locais citados pelo autor. Debret também me ajudou. Para criar os cenários e desenhar os personagens de Cervantes, o pintor espanhol Francisco de Goya foi fundamental. Uma revista da National Geographic e adaptações da Ebal e La Selva, que o colecionador João Antonio Buhrer me emprestou, também ajudaram. Em O Ateneu, as ilustrações do próprio Raul Pompéia foram de grande valia.
O que pensa a respeito disso (referências)?
Bira Dantas: São necessárias e obrigatórias. Fora casos em que o quadrinhista tenha vivido o fato a ser narrado graficamente (mesmo assim, é aconselhado tirar fotografias do local), ele deve se cercar de toda referência possível. A gente deve ter o cuidado de se aproximar do fato acontecido, ou imaginado pelo autor, sempre.
Teve alguma influência importante na sua trajetória? Nos conte sobre isso.
Bira Dantas: Tive muitos mestres de Desenho e Quadrinhos, desde 1969, quando comecei a desenhar para valer. Mas o que mais me marcou e influenciou, foi sem sombra de dúvida, Angelo Agostini. Este italiano mudou-se para o Brasil em 1859 e publicou a primeira HQ (As aventuras de Nhô Quim) aqui, 10 anos depois. Além de ser um pioneiro na Arte Sequencial, AA era exímio chargista e caricaturista, tendo retratado em O Cabrião, o Diabo Coxo, O Mosquito, A Vida Fluminense e Revista Ilustrada a rotina do segundo império, tendo D. Pedro II, a elite política, a igreja e a escravidão como seus principais alvos. Ele era um chargista de luta, que primava pela informação do povo, um Dom Quixote em meio a moinhos e gigantes.
Além dele, nomes como Hal Foster, Phil Davis, Alex Raymond, Dan e Sy Barry, Burne Hogarth, John Buscema, Jack Kirby, Al Capp, Jayme Cortez, João Baptista Queiroz, Sergio Lima, Edmundo Rodrigues, Bonelli e Galep, fizeram minha cabeça. Cresci lendo Tarzan, Fantasma, Asterix, Flash Gordon, Conan, Capitão América, Príncipe Valente, Família Buscapé, Turma do Pererê, Zodiako, Capitão 7, Fuzarca e Torresmo, Oscarito e Grande Otelo, Jerônimo o Herói do Sertão, TEX…
É verdade que você produziu materiais para sindicatos? Quais?
Bira Dantas: Os boletins sindicais e de oposições fazem parte da minha vida desde 1980. Esta militância gráfica começa paralela à minha entrada no gibi dos Trapalhões, desenhei para vários movimentos de Oposição sindical em SP: Metalúrgicos, Químicos, Construção Civil, Securitários, Vigilantes, Frentistas, Médicos, Jornaleiros, Bancários e Servidores de Campinas, Têxteis de Americana, Sapateiros de Franca e dezenas de outros. Na exposição “Mestres Daqui”, inaugurada no ateliê Folha em Campinas, é possível ver este meu início na charge, com o traço ainda incipiente e bem no estilo “Quadrinhos”. No primeiro ano de Sindiluta (boletim diário do Sindicato dos Químicos SP) minhas charges ilustravam as matérias, portanto eu era pautado pelos jornalistas e diretor de imprensa. Neste começo, eu tinha um pouco de dificuldade para entender os meandros da economia, detalhes da CLT e das relações entre sindicato, categoria e empresários. Li bastante e discuti em vários departamentos. No segundo ano, ganhei um espaço de charge editorial, na parte de cima do boletim, ao lado do logotipo. E sempre tive total liberdade na escolha dos temas e nunca tive uma charge censurada ou “derrubada”. Em Campinas desenhei para os Eletricitários, Metalúrgicos, Petroleiros, Sinpro, AproPUC, STU, Construção Civil e CUT. No Rio, Bancários e Petroleiros. No Espírito Santo, Bancários. Nacional: Andes.
E sobre adaptação de obras literárias, realizou quais e qual a importância disso na sua carreira?
Bira Dantas: Fui contratado pela Escala Educacional para fazer Memórias de um Sargento de Milícias, D. Quixote e O Ateneu. Meu D. Quixote esgotou seus 60 mil exemplares. Isso tem me rendido debates anuais com os alunos do colégio Dante Alighieri, que adotou a adaptação da Escala Educacional. São conversas inesquecíveis. Eles conhecem meu trabalho de cor e salteado, e cobram porque fiz tal coisa ou deixei tal aventura de fora. Falam do impacto da obra de Cervantes em suas vidas e de como a conheceram. É incrível o que uma classe estimulada por professores interessantes é capaz de fazer.
Teve alguma participação em algum evento internacional? Como foi ser mestre de cerimônias na Coréia?
Bira Dantas: Sim! Fui convidado para dois eventos na Coréia do Sul (WCC e Bicof) e dois na Argélia (FIBDA), este ano fui convidado para um Festival de Historietas em Cuzco (Peru). No caso da Coréia não fui mestre de cerimônias (hehehe), em 2005 eu fiz um relato sobre a história da HQ no Brasil, na abertura da Conferência Mundial de Quadrinhos. No Bicof, eu fui apresentado às editoras e principais jornais como o “cara que fez a HQ da campanha do Lula”. Eles adoram o Lula. Na Argélia também.
Quais prêmios ganhou ao longo de sua trajetória e qual a importância de cada um?
Bira Dantas: 1986 - Primeiro prêmio em caricatura, IV Salão sobre Desenho de Humor de BH;
1992 - Menção honrosa, IV Mostra de Humor de Araras (SP);
1998 - Prêmio Júri Popular-Internet, Salão Nacional de Humor sobre fiscalização dos Gastos Públicos (UNACON Brasília);
2000 - Duas menções honrosas em caricatura, Salão de Ribeirão Preto (SP);
2002 - Diploma de mérito "Zumbi dos Palmares", concedido pela Câmara dos Vereadores de Campinas/SP, pela produção de um gibi sobre a vida de Zumbi;
2003 - 19º Prêmio Ângelo Agostini, como melhor cartunista do Brasil;
2002 - Primeiro lugar em Caricatura, no Salão de Humor do Chipre Ramiz Gökçe;
2004 - Prêmio Ângelo Agostini de melhor cartunista e menção honrosa em Cartum no Salão de Volta Redonda;
2007 - Prêmio HQmix, pela revista coletiva de Quadrinhos Front (Via Lettera);
2008 - Prêmio HQmix, pelo coletivo de Quadrinhos Quarto Mundo;
2009 - Menção honrosa na Competição de Cartuns Redman (China), primeiro lugar em Quadrinhos Curtos na Serbya Cartoon Fest, primeiro lugar em Tiras no Salão de Humor de Paraguaçu Paulista, prêmio HQmix com a quadrinização de D. Quixote.
Se considera um mestre do Quadrinho Nacional?
Bira Dantas: Não. Não fiz escola como os Mestres que sigo.
Quais desenhistas e ilustradores admira? Quem você acha pode ser chamado de “O Cara” dos desenhos?
Bira Dantas: Puxa, seria uma lista interminável. Vou começar pelo maior: Jayme Cortez.
Na lista dos maiores: Angelo Agostini, Bordalo Pinheiro, J. Carlos, Belmonte, Seth, Eduardo Teixeira Coelho, Albert Uderzo, Morris, Mulatier, Burne Hogarth, Alex Raymond, Hal Foster, Walt Kelly, Milton Caniff, John Buscema, Gil Kane, Wally Wood, Jack Kirby, Giorgio Cavazzanno, Hugo Pratt, Solano Lopes, Rodolfo Zalla, Osvaldo Talo, Eugenio Collonnese, Jean Giroud, Edgar Vasques, Ziraldo, Fortuna, Ely Barbosa, Eduardo Vetillo, Watson Portela, Rodval Matias, Mozart Couto, P. Caruso e Henfil.
Nos fale de seu blog, o que produz, o que publica, qual a relação dele com você e como o público o vê?
Bira Dantas: Há 10 anos atrás cheguei a manter 18 Blogs e fotologs, com temas diferentes (charge, cartum, caricatura, quadrinhos, D. Quixote, O ateneu, ilustração, quadrinho nacional, etc.). Hoje tenho 4 Blogs, 2 que atualizo mais (charges e caricaturas), D. Quixote atualizo menos, e O ateneu (parado). No Facebook tenho 2 perfis, 2 páginas de artista BiraDantasCartunista e CartunistasContraOGolpe, 1 da minha banda Tio’s Rex e 1 da AQC. Atualizo todas, todos dias.
Suas caricaturas sempre vão para o lado cômico? Se não, o que mais elas retratam.
Bira Dantas: Às vezes faço caricaturas mais complexas, como a homenagem a Zé Rodrix, em que desenhei como cenário, o conteúdo da música “Jesus numa Moto”, ou a caricatura de Marcel Duchamp, em que fiz uma colagem com o clássico mictório preso na parede, ou duas caricaturas de obras de Picasso, para um livro de Arte que minha irmã Betânia Dantas ajudou a escrever. Mas, na maioria dos casos, o humor prepondera!
Durante sua trajetória você fez bons amigos né? Poderia nos falar um pouco dessas amizades, contar algum fato engraçado e importante?
Bira Dantas: Na época dos Trapalhões eu estava bem inseguro quanto ao traço, enquadramentos e gostava de mostrar as HQs antes de entregar (até porque quando o Ely corrigia, ele fazia um círculo no erro e, riscando, cruzava a página para escrever, do outro lado o que era para fazer). Muitas vezes pegava o Ely no corredor para ele me dizer o que estava estranho numa cena. Aprendi muito com os mestres! Vetillo conta que o Ely Barbosa tinha o maior medo de chegar em casa à noite e eu sair debaixo da cama com umas páginas para mostrar. Fabiano Carriero foi dos meus alunos mais dedicados na Escola Pandora. Tudo que eu falava para ele fazer, trazia pronto na semana seguinte. Era incrível. Ele me surpreendeu ao preparar, quando fiz 50 anos, com uma “Birada Cultural” em Campinas. Foram várias exposições minhas, com vários temas, em vários locais da cidade, tudo sem eu saber. Na época da revista Bundas (Ziraldo), eu estava duro e reservei um livrão do Frazetta “Icons” para comprar na livraria Pontes. No dia do meu aniversário, minha mulher chega com vários pacotes de presente. Quando abro este, era o livro do Frazetta. Ela só podia ser bruxa para adivinhar. Depois me contou que queria me dar um livro de Arte. Procurou muito por todas livrarias da cidade, mas achava que eu já tinha tudo. Quando chegou na Pontes, disse que queria dar um livro para o marido cartunista. O dono perguntou como ele assinava. Bira, respondeu. Ele puxou o livro das reservas e disse: “Este aqui ele ainda não veio pegar. ” Minha filha pintava minhas tiras diárias do Tatuman. Eu pagava 10% do que ganhava por mês. Um grupo de jornalismo da PUC veio me entrevistar e aproveitaram para entrevista-la também. Quando eles saíram ela me disse: “Agora que sou famosa, você pode aumentar para 50%? ” Em 2005, na volta do WCC, na Coréia, fui com minha mulher visitar minha enteada que morava em Londres. Ficamos num hotel em Notting Hill. Quando voltávamos de um passeio, perto do metrô tinha uma dessas redes de livrarias com promoção do livro do cartunista Gerald Scarfe por 9,95 Libras. Minha mulher e enteada foram para o hotel e eu fiquei na livraria. Peguei o livro e perguntei em inglês se ele tinha mais de cartunistas. O balconista perguntou se eu era brasileiro e que podia falar português. Disse que sim, ele perguntou se eu trabalhava com isso e como eu assinava. Quando disse que era o Bira, ele perguntou: “O desenhista dos Trapalhões? ” E fez a maior festa, disse que adorava o gibi e me deu o livro de presente, desde que eu desse um autógrafo. Quando cheguei no hotel, contei a história e ninguém acreditou. Disseram que paguei o livro e inventei aquela lorota. Fazer o quê? Na Itália, fomos num grupo de 8 amigos. Por ser caricaturista do Blog do TEX, da Bonelli, fui muito bem recebido em vários restaurantes e cafés. Num deles, em Verona, depois de caricaturar todos garçons e até o pai do dono, não quiseram cobrar a conta por dois dias.
Você faz parte da diretoria da AQC-SP, o que você faz e o que isso significa para você?
Bira Dantas: Sou diretor da Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas de SP. Cuido do Blog, da página do Facebook, faço parte da organização do Troféu Angelo Agostini e faço as convocações pela web. A AQC é um grande espaço de promoção do Quadrinho nacional, bem como de Salões de Humor, lançamentos, cursos, debates e oficinas que estão rolando por aí. É também um canal de denúncias de desmandos ou perseguições.
Acredita numa melhora considerável de HQs e produções nacionais?
Bira Dantas: Sem dúvida. A diferença é palpável. Para um iniciante, publicar virtualmente tem o mesmo caráter das perguntas que eu fazia para os mestres. Para os profissionais, é uma forma de atingir um público bem maior, sem o custo da impressão gráfica.
Como vê o movimento de fanzines de antes e o de agora?
Bira Dantas: Antigamente, ler, fazer e promover o Fanzine era privilégio de poucos. Hoje, a internet encurtou distâncias e tudo ficou mais rápido.
O que a internet ajudou as HQs brasileiras e o que atrapalhou?
Bira Dantas: Ajudou a publicar e divulgar. Mas não ajudou a remunerar. Muita gente ainda recebe propostas de publicar gratuitamente em sites que vendem produtos. Quando o site ou blog não tem fins lucrativos, eu entendo. Quando é um site comercial, este tipo de proposta é indecorosa.
Como quadrinhista, qual o maior desafio que já enfrentou?
Bira Dantas: Desenhar, arte-finalizar e sombrear 56 páginas em 2 meses (Memórias).
Tem algum projeto importante em mente? Pode compartilhar com a gente?
Bira Dantas: Gostaria de escrever um álbum que contasse segredos diários de cartunistas, de Angelo Agostini aos dias de hoje. Editar um livro de caricaturas de Cartunistas&Quadrinhistas, e outro de Blues. Quadrinizar a Ilíada com tantas dezenas de páginas quantas precisasse. Desenhar os roteiros que o Gonçalo Jr. me passou para fazer um álbum.
Criador x Criatura, como é a sua relação com sua obra?
Bira Dantas: Eu nunca estou satisfeito com meu traço. Na época da revista Front (Via Lettera) fazia cada HQ num estilo diferente. Acho saudável você não achar que chegou lá, senão você para de andar.
O que gostaria de dizer a quem está começando a fazer caricaturas?
Bira Dantas: Estude os Mestres: Agostini, J. Carlos, Belmonte, Ziraldo, Fortuna, Al Hirschfeld, Mendez, Chico, P. Caruso, Laerte, Mulatier, Sebastian Kruger, Jan Op De Beeck, Paulo Branco, Mattias.
Vejo que sua atuação no universo de quadrinhos é intensa, nos fale um pouco de como interage com os demais quadrinhistas, em especial aqueles que junto com você dirigem a AQC.
Bira Dantas: Quando fui para fora do Brasil, sempre fiz questão de levar os trabalhos relevantes de outros autores. Acho que o Quadrinho nacional é muito mais importante do que o meu Quadrinho. Como poderia me furtar de mostrar gênios como Luiz Gê, Marcatti, Zalla, Collonnese, Rafael Coutinho, Fabio Moon, Gabriel Bá, Jozz, Cobiaco pai e filho, Laerte, Angeli, Spaca, Fernando Gonsales, Vilachã, Jô Fevereiro, Drago, Franco de Rosa.
Qual o seu trabalho favorito?
Bira Dantas: Memórias de um Sargento de Milícias. Se pudesse, sempre trabalharia em grupo.
Algum arrependimento? Faria tudo igual novamente?
Bira Dantas: Ter parado de desenhar os Trapalhões em 1982. Mesmo reduzindo minha produção, eu poderia ter continuado a fazer HQs para o Ely Barbosa. Eu teria xerocado TUDO que desenhei nessa época, incluindo os trabalhos de inglês da turma da minha prima Goya e o mês que trabalhei na Folha da Tarde. Teria preservado também HQs inéditas que perdi depois de expô-las numa festa em 1988.
Destacaria algum artista do passado e algum do presente?
Bira Dantas: Al Hirschfeld, por morrer dormindo com 100 anos, ainda ativo na caricatura. Fabiano Carriero, tão jovem, já movimentou tanto a cidade onde nasceu, promovendo exposições e vernissages memoráveis. Um pequeno grande artista! Mestre Eduardo Vetilo.
O que o mundo dos quadrinhos tem dado de melhor?
Bira Dantas: A chance de olhar o mundo com outros olhos.
Breve currículo.
Bira Dantas: Trabalha com HQ, ilustrações e charges desde 1979. Foi desenhista da revista em quadrinhos “Os Trapalhões” (Bloch) de 1980 a 82, e intercalador de desenho animado no Estúdio Briquet (Bond Boca) em 85, quando fez parte da AQC (Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas de SP).
Colaborou em revistas como Pântano, Tralha, Porrada, Megazine, Bundas, Em Ação (Caterpillar), EATON, IBM, 3M, Rockwell Fumagalli, Anglo, Bundas e jornais como Retrato do Brasil, Folha da Tarde (SP), Diário do Povo (Campinas), Pasquim21 e jornais Sindicais.
Ilustrou livros para Ed. Atual (O Caderno de Perguntas de Rebecca) e pra Ática (Curso de Inglês) através da Agência de Design e Editoração Grafos. Participou de livros cooperativados da Editora Virgo como “Brasil, 500 anos”, “Fome de ver estrelas”, “Tiras de Letras”, entre outros.
Tem publicado adaptações Literárias em Quadrinhos pela Escala Educacional (Memórias de um Sargento de Milícias, D. Quixote e O Ateneu).
É professor de charge, cartum e caricatura na Escola de Arte Pandora, em Campinas. Atualmente é contratado pelo Sinergia e Sindipetro.
1963 - Nasceu em Sampa.
1977 - Estagio no MSP
1979 - Estágio Ely Barbosa
1979 - Assistente de Eduardo Vetillo
1980 - Desenhista de Os Trapalhões Bloch
1982 - Chargista Sindicato dos Químicos SP
1984 - Curso Editoração de Quadrinhos na ECA (USP)
Publicação na Quadreca #4
1985 - Intercalador Briquet Filmes
Chargista Retrato do Brasil
1987 - Revista Pântano (com Marcatti e Baraldi)
1988 - Chargista Sindicato dos Eletricitários Campinas
Revista Tralha (com Marcatti, Mutarelli e Baraldi)
1991 e 1995 - Chargista Diário do Povo
1999 - Editora Virgo
2002 - Professor de Charge, Cartum e Caricatura na Escola de Arte Pandora
2005 - Palestrante no WCC (World Comics Conference) em Bucheon, Coréia do Sul. Lançamento do BiraZine #1
2006 - Publicação na Revista Quantum Spies (Coréia do Sul)
Publicação na Revista Front #17 (Via Lettera) e na Quadreca #15 (USP)
2009 - Publicação de HQ na revista Ziniol (Polônia)
Publicação na Camiño de Rato
2010 - Curso de Charge, Cartum e Caricatura no Senai Campinas
2011 - Organizador de visita de 3 dias de Comitiva Coreana de Manhwa em São Paulo. Participante do Festival de Quadrinhos em Angoulême (França).
Publicação na Revista Graphite (Portugal).
Participação no Bicof (Bucheon Comics Festival, na Coréia do Sul).
2013 - Participou do FIBDA (Festival de BD da Argélia)
2014 - Dirigiu, com Artie Oliveira, o documentário "Desvendando Angelo Agostini”.
Jurado de premiação no FIBDA (Argélia) onde organizou a expo "Quadrinhos, 145 années de BD au Brésil”.
2016 - Lançamento do SketchBook Custom (Ed. Criativo)
Se quiser nos contar alguma coisa interessante de sua trajetória, citar algum fato importante ou deixar um recadinho para os leitores.
Bira Dantas: Acho que já falei demais! Abraços a todos e obrigado pela paciência!
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