segunda-feira, 9 de outubro de 2017

ENTREVISTA COM RAFAEL SPACA (REVISTA BRAVO) - MÚLTIPLO 12 - OUTUBRO 2017


Ele é considerado um dos maiores talentos da sua geração. Sua pesquisa no campo cinematográfico vem descortinando temas e personagens que pareciam penalizados a ficar definitivamente à margem da história.
Além de pesquisador é criador.
Rubens Francisco Lucchetti o chama de “o incansável”.
Eis aqui um pouco do seu trabalho.


Entrevista Rafael Spaca

Qual a sua relação com as HQs? Como vê os quadrinhos no Brasil e os quadrinhistas de um modo geral?
A minha relação é a de um leitor voraz. Quando criança pedia de presente de aniversário a assinatura anual dos gibis da Turma da Mônica. Hoje estou produzindo as histórias do Adroaldo. Os quadrinhos no Brasil possuem um vigor impressionante, muita gente produzindo, e é uma produção de grande qualidade. A questão é que não há incentivo para essa produção ser difundida. E isso afeta sobremaneira o sistema editorial e as nossas HQs acabam ficando numa “semiclandestinidade”. O que é triste.

O que tem visto de bom no mercado nacional? O que considera problema para uma HQ nacional forte?
Há uma geração brilhante despontando aqui e lá fora. O problema mais grave é que não existe uma política para fazer com que esta produção, que estes talentos, alcancem um público mais amplo. Ainda hoje as HQs vivem no gueto!


Nos fale um pouco de sua trajetória nas telecomunicações. Atuou em rádio e TV não é mesmo?
Sou formado em Rádio, TV e Multimídia pela Universidade Metodista de São Paulo e fiz pós-graduação em Teorias e Práticas da Comunicação na Faculdade Cásper Líbero. Trabalhei na Rádio Cultura FM (Fundação Padre Anchieta), SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) e também na O2 Filmes (a maior produtora de filmes da América Latina). Colaborei em jornais e revistas, além dos espaços na internet. Publico livros. Tudo no campo da Comunicação.


O que representa o livro “As HQs dos Trapalhões”, na sua trajetória? Você me contou que são dois livros sobre eles, o que fala cada um e sobre o que será o terceiro que está planejando?
No ano passado eu lancei “O Cinema dos Trapalhões, por quem fez e por quem viu” (Editora Laços), um estudo a respeito da produção fílmica do quarteto. E neste ano lancei “As HQs dos Trapalhões” (Editora Estronho), para desnudar as histórias dos Trapalhões nas histórias em quadrinhos. Quero agora pesquisar a relação dos Trapalhões com a imprensa, este será meu terceiro livro dedicado a eles.

Além de divulgação e produção, você atua em alguma outra área nos Quadrinhos?
Estou escrevendo os roteiros do Adroaldo (https://www.facebook.com/adroaldo.quadrinhos/). Adroaldo é um personagem que criei, não sei desenhar, só escrever. E por uma sorte do destino, encontrei o Denison, que faz as ilustrações, e que está transpondo brilhantemente para as HQs as histórias que escrevi.

Nos fale um pouco de seus projetos ao longo dos anos.
Quero me dedicar aos livros que estão em desenvolvimento, lançar todos eles e também continuar produzindo as histórias do Adroaldo, que é um projeto que eu acredito muito, assim como os outros.

Você tem um canal no Youtube, não é mesmo? Conte-nos sobre o que você fala no canal e como é o projeto.
Coloco ali tudo que sai a meu respeito e tudo que produzi até aqui. Apresentei e produzi o “Zootropo” (TV Cronópios), um programa dedicado ao cinema nacional, apresentei e produzi também “O Cinema dos Trapalhões” (TV Cidade), que foi uma série inspirada no meu livro.

Quais suas produções, sejam em participação ou produção, no cinema?
Por enquanto é isso.

Tem algum projeto em mente?
Concluir os livros que estou trabalhando (são quatro ao todo) e continuar com o Adroaldo.

O que representou para você o curta “R. R. Lucchetti – A Multiplicidade da Linguagem”?
Rubens Francisco Lucchetti é um gênio. Em 2015 lancei “Conversações com R. F. Lucchetti” (Editora Verve) e no ano passado esse curta-metragem. Ainda é pouco, tem mais coisas a respeito do Lucchetti vindo aí, estou preparando, junto com o próprio Lucchetti e o filho dele o livro “Desvendando R. F. Lucchetti”. Em agosto iremos relançar a biografia em quadrinhos do apresentador Silvio Santos, que foi escrita pelo Lucchetti em 1969, em uma revolucionária parceria entre as Faculdades Integradas Rio Branco e a AVEC Editora na qual eu tive a honra de participar.

E o “A Bruxa do Chocolate”? Algum outro título que considere importante relatar?
“A Bruxa do Chocolate” é um livro que tenho muito carinho. É uma homenagem à minha filha Manoela, é dedicado a ela. E neste trabalho eu tive a oportunidade de trabalhar com o meu primo, o cartunista Spacca. Esse livro deverá ter outros desdobramentos sob a batuta da atriz Zuzu Leiva. Ela já fez um clipe (https://www.youtube.com/watch?v=IE8rSzLa2Wg) e planeja montar uma peça.

Sobre o que você fala no blog “Os Curtos Filmes”?
Trato dos curtas-metragens nacionais. Nos últimos anos o blog http://oscurtosfilmes.blogspot.com.br/ ampliou seu repertório e abordou outros temas. Atualmente publico entrevistas e matérias a respeito dos Trapalhões lá. Em 2018 ele completará dez anos de atividades, vou aproveitar a efeméride e encerrar as atividades. Acredito que ele conseguiu cumprir a sua missão. Graças a este trabalho fui a festivais, integrei júris, recebi prêmios pela valorização da nossa produção em curtas. Agora é mirar outros desafios.

Qual a sua relação com os artistas que trabalharam com as HQs dos Trapalhões? Trabalhou com algum em especial?
Relação de respeito, admiração e agradecimento por compartilharem comigo as suas histórias. Virei amigo de boa parte dos homenageados no livro.


Qual artista nacional te deu mais prazer em entrevistar?
Conhecer Renato Aragão e Dedé Santana foi inesquecível. Também me recordo da entrevista que fiz com Mauricio de Sousa, em sua própria sala de trabalho. Foram três momentos históricos, por tudo que estes profissionais representam para mim.

Quem você considera a expressão maior das HQs nacionais?
Mauricio de Sousa, sem dúvida! É a nossa maior bandeira nessa área. Diante de tantos descalabros, principalmente na política, que nos envergonha diariamente, ter um brasileiro como ele é motivo de orgulho.

O que acha que pode melhorar na produção e distribuição de quadrinhos nacionais?
A criação de uma política que incentive a produção, que está aí, circule em todos os cantos do país. Que as crianças tenham acesso, que as escolas incluam as HQs no currículo, que se incentive a leitura e que a televisão e o cinema nacional apostem nestas produções. Se fizermos isso, já será muito significativo.

O que é e sobre o que fala a Revista Bravo? Tem ela impressa ou somente online?
A Bravo! foi uma revista impressa, uma das poucas nos últimos tempos, que se dedicava à cultura. Fui assinante dela por muitos anos. Ela parou de ser impressa e graças à iniciativa do Guilherme Werneck, Publisher da Bravo!, ela está viva, online. Estou produzindo para a Bravo! uma série de entrevistas com quadrinistas brasileiros. Essa série se transformará em livro no próximo ano, sairá pela Editora Estronho e deverá chamar “Mestres do Traço”.

Pretende continuar lançando o livro dos Trapalhões em outras cidades? Como tem sido a receptividade ao trabalho?
A receptividade está sendo muito boa, o que me deixa feliz. Há uma lacuna, fãs ávidos por informações a respeito do quarteto. Quanto ao lançamento em outras praças, gostaria muito.

Quem é o Rafael Spaca? O que pensa?
Sou um batalhador que tenta, com honestidade, trabalhar em uma área profissional que neste país muitos não dão o mínimo valor! Indo para o campo da política, me recordo da frase do dramaturgo Bertold Brecht que diz "Infeliz a nação que precisa de heróis". Atravessando este momento tão delicado do Brasil, com as revelações diárias de corrupção em todos os níveis e em praticamente todos os partidos e políticos, adapto a frase para “Infeliz daquele que briga com os amigos por causa do seu corrupto de estimação”. É no mínimo ingenuidade acreditar nas pessoas que estão aí, e é a maior burrice brigar por eles. É isso que penso.

O que pode deixar de recado para os que estão começando?
Lutem, batalhem, não desistam. A vida é dura, mas como diria Raul Seixas: é de batalhas que se vive a vida. Não esmoreçam, não acreditem nos que desacreditam de vocês, tenham calma. Aqueles que riem de você hoje, podem se surpreender com você amanhã. É piegas, mas é verdade.

Tem mais alguma publicação da qual faça parte?
Esse ano, em setembro, irei lançar a biografia do músico Dick Danello (Chiado Editora) e também a biografia da atriz Débora Munhyz (Editora Laços).

Qual sua obra que deu mais prazer e foi mais gratificante fazer e por que?
Todas foram prazerosas e desafiadoras, tenho orgulho de todo o meu caminho percorrido até aqui.

Voltando aos Trapalhões, quais são os seus três filmes favoritos do grupo (e a razão)?
Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão: J. B. Tanko afiadíssimo, Vera Setta no papel de bruxa está incrivelmente assustadora, Wilson Grey brilhante como seu assistente. Dá aquele frio na barriga, ainda diverte e comove graças ao amor de Renato com o seu cãozinho.
Saltimbancos Trapalhões: um musical de primeira grandeza. O erudito e o popular se unem e nos mostram que é possível fazer filme crítico, com temática social, inteligente e engraçado.
Os Trapalhões e o Rei do Futebol: dizem que é difícil fazer bons filmes a respeito de futebol. Esse filme mostra que é possível. Pelé faz seu melhor trabalho no cinema. Tem a crítica social dos Trapalhões embutida, a questão dos dirigentes corruptos. Continua atual.

Qual você considera que é o maior legado do quarteto para o cinema nacional?
Eles levaram milhões de pessoas aos cinemas, eles movimentaram a indústria cinematográfica por décadas, eles estão no imaginário nacional, na memória afetiva de milhões de pessoas, formaram plateias, abriram sorriso em milhares de rostos, trouxeram leveza a um país que sofre há séculos de má gestão. Está bom?

Tem alguma história divertida/curiosa dos bastidores de sua pesquisa, do contato com os artistas para o projeto do livro?
Encontrar cada artista é um exercício de ourives. E quando encontramos o primeiro, uma teia vai se formando e isso é o que mais estimula no trabalho de pesquisa: quando as páginas em branco começam a ganhar as primeiras tintas.

Como você analisa cada membro do quarteto, no que tange a atuação deles, especialmente nos filmes?
Cada integrante tinha a sua função na engrenagem. Renato era o maestro cerebral, aquele que nossos olhos se fixam, independentemente do que acontece à sua volta, Dedé é o maior “escada” do Brasil, unia técnica e intuição com um pensamento muito rápido para fazer todos à sua volta brilharem, Mussum era excelente, dávamos risada com ele não só por suas expressões verbais, mas físicas também, e o Zacarias tinha um repertório magistral, o mais técnico de todos.

Durante muitos anos a crítica silenciou a respeito dos filmes dos Trapalhões. Como você analisa essa reação de parte da crítica com os filmes populares?
Ela não silenciou, ela noticiou e muito! Eram críticas negativas, construtivas e elogiosas. Lia-se de tudo a respeito dos Trapalhões.

Tem alguma relação com os últimos dois integrantes do grupo, Dedé e Didi?
Dedé Santana é o paraninfo, o padrinho e o patrono de todos os meus trabalhos relacionados aos Trapalhões. Em “O Cinema dos Trapalhões, por quem fez e por quem viu” (Editora Laços), ele dividiu comigo, no Rio de Janeiro, a mesa de autógrafos, foi mágico! No livro “As HQs dos Trapalhões” (Editora Estronho), ele assina o prefácio.

Como vê esse remake que a Globo está preparando, tentando trazer de volta o quarteto, sob a batuta de Didi e Dedé?
O remake, acredito eu, é uma especulação do que seria os Trapalhões nos dias de hoje. Os Trapalhões são insubstituíveis, essa discussão acerca da aparência, dos trejeitos, da fala dos atores que preenchem os papéis que eram do quarteto original é muito rasa. Vamos ver como o humor dos Trapalhões se conectará com as mudanças que a sociedade passou ao longo destas décadas. Estou curioso.

Acredita num sucesso parecido com o quarteto original?
Não. O que os Trapalhões realizaram não existem paralelos. Quem ficou décadas na televisão, no cinema e nas HQs fazendo sucesso como eles? Os Três Patetas, O Gordo e o Magro, Casseta & Planeta, não conseguiram permanecer tanto tempo e/ou transitar em todas essas mídias, e lograr êxito em absolutamente todas as plataformas, como os Trapalhões fizeram. Foram um fenômeno.

O que precisa mudar na mentalidade do editor de HQs nacional?
Ter mais coragem, arriscar mais e andar ao lado dos quadrinistas. Temos grandes editores no país, como o Marcelo Amado da Editora Estronho, que possuem todos estes ingredientes, para os que não tem, esta é a minha opinião.

Vê um futuro melhor para os quadrinhos no Brasil?
Temos que acreditar que o horizonte é promissor.

Qual sua preferência quando se trata de quadrinhos nacionais?
Gosto do que surpreende.

Tem algum personagem e artista preferido?
Monteiro Lobato, Will Eisneir, Profeta Gentileza, Rubens Francisco Lucchetti, Mauricio de Sousa, Raul Seixas, Bob Marley, Recruta Zero, Mazzaropi, Glauber Rocha, Os Trapalhões, Jackson Pollock, Os Três Patetas, Lionel Messi, Paulo Leminski, Os Simpsons, entre tantos outros.

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