SHIMAMOTO, O MESTRE
Por André Carim
Falar de um dos mestres do Quadrinho Nacional não é tarefa nada fácil. O que dizer mais sobre o Samurai dos Quadrinhos, mestre Júlio Shimamoto, que já foi não dito, pesquisado, distribuído, disseminado? Tive o grande prazer de, nos momentos ativos do velho Múltiplo, estar em contato com o mestre através de cartas, fanzines e colaborações, o que rendeu uma brilhante capa para uma das edições do fanzine (foto ao lado), onde sua arte, na maioria das vezes preto e branco, abrilhantou a edição daquela época.
É sabido por nós da participação do mestre na Cooperativa Editora de Trabalhos de Porto Alegre (CETPA), nos anos que antecederam a ditadura militar. E é sobre esse momento que vamos falar agora. Entre goles de chimarrão e cafezinhos, um grupo de quadrinistas nacionais, àquela época com seus 20 anos de idade, viriam participar de uma aventura inédita até então, a de produzir HQs nacionais rivalizando com aquelas vendidas nas bancas do país e que vinham, principalmente, dos EUA.
Júlio Shimamoto e Luiz Saidenberg estavam entre os mais brilhantes desenhistas de HQ do país, entre nomes como Renato Canini, João Mottini e Flávio Luiz Teixeira, além do argentino Aníbal Bendati, juntamente com Flávio Colin e Getúlio Delphim. Shima, com vários desses desenhistas, ficavam no estúdio da capital gaúcha. E de lá fundaram a CETPA, em fevereiro de 1962, sob o apadrinhamento do então governador do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (foto ao lado). Uma ideia semelhante havia sido apresentada a João Goulart por Zé Geraldo. Em São Paulo havia a ADESP (Associação de Desenhistas do Estado de São Paulo), criada por Jânio Quadros e então presidida pelo ainda iniciante Maurício de Souza.
Chegou-se a uma proposta de reserva de 30% do mercado de HQs aos quadrinhos nacionais, proposta essa vindo de Jânio Quadros, que tinha como objetivo nacionalizar toda a produção de quadrinhos no Brasil, num curto espaço de dois anos. O projeto, como quase tudo que beneficia o brasileiro, foi engavetado, assim como a proposta de Lei que reservava 60% das publicações para os quadrinhos nacionais quem nem do papel saiu.
Todos nós sabemos que, para as Editoras, é muito mais rentável importar HQs do que produzir quadrinhos nacionais, devido ao seu alto custo com material e profissionais. Os direitos autorais nacionais não eram respeitados, os nacionalistas diziam que não queriam acabar com as HQs estrangeiras, queriam apenas que o quadrinho nacional fosse valorizado e pudesse ter o seu espaço. A justificativa mais comum para não apoiar o artista nacional era de que a comercialização de revistinhas seriam má influência para a juventude.
O apoio não vinha, e após a renúncia de Jânio, Brizola encomendou à CETPA uma história em quadrinhos sobre o movimento, a História da Legalidade, esboço de Saidenberg e desenhos de Shimamoto (foto acima).
“Nós contávamos a resistência de Brizola e do general Machado Lopes, comandante do Terceiro Exército, contra a conspiração dos militares denominados “Forças Ocultas”, liderados pelo general Orlando Geisel, irmão do futuro presidente Ernesto Geisel”, conta Shima, hoje com 77 anos, em entrevista ao blog. “Mas Brizola vetou, dizendo que a publicação do álbum seria ‘demagogia barata’. Não fomos pagos pela tarefa, mas Zé Geraldo nos propôs outros álbuns de cunho educativo. Éramos solteiros, e decidimos, eu e Luiz, mudar de mala e cuia para o Sul. ”
Todos aqueles quadrinistas que participaram dos movimentos em prol do quadrinho nacional acabaram rotulados como ‘comunistas’ e as portas do mercado editorial se fecharam para eles até o início de 1970.
O talento de Shimamoto é visível em cada HQ, ilustração ou xilogravuras em plástico descartável desenvolvidos por Júlio Shimamoto. “Esta é a característica básica dos meus trabalhos atuais, (excluindo ferro de soldar), parecer xilo. Quando uso tinta branca sobre a cartolina preta, ou tinta preta sobre a cerâmica, azulejo ou plástico descartável, obtenho o mesmo efeito xilográfico dos tradicionais clichês de madeira. Eis a razão de distinguir meus “xilos” de xiloshima, ceramicxilo, xiloceramic, xiloplástico ou xiloplastic. Uso plásticos descartáveis, sacolinhas para jornal, de supermercados, papéis de embrulho plastificados, fitas adesivas, face interna de caixas de suco, de leite, acetatos de encapar cadernos, livros, etc. Embora correta, a denominação, plasticogravura não evoca xilo, concorda? Poderia ser plástico pintado com óleo, acrílico, ou com tinta naquim. ” – Definia Shimamoto em uma das publicações de sua página no Facebook.
Em 1980, com roteiro de Felipe Ferreira, pela GIBI, apresentou sua arte ilustrando Pedro e Bino, da série de TV Carga Pesada, mais um exemplo de seu talento na arte em preto e branco. (Foto acima: reaproveitamento de papel com os escritos ao fundo).
Durante sua trajetória no universo de HQs nacionais, contribuiu com diversos fanzines, entre eles Tchê número 38, onde publicou a capa, bem como diversas HQs espalhadas pelo movimento zineiro. Este fanzine, inclusive, teve a honra de estampar em uma de suas edições antigas uma capa simplesmente fantástica do mestre Shima. Sua arte pode ser considera experimental, pois utilizava de diversos materiais em busca da melhor ilustração.
Júlio Shimamoto continua inovando e explorando em suas experiências, e como todos nós, também chegou à era da internet, utilizando-se de um tablete (mesa digitalizadora – foto ao lado) para desenhar e encantar a todos nós com sua arte.
Ilustrou com maestria o livro da escritora Anne Raquel Sampaio, “Era uma vez um rio”. Participou da série Histórias Macabras, da Editora Outubro, ilustrando roteiros de Ivan Saidenberg, a HQ de nome ‘Jardins da Morte’, uma história de vampiro onde começa com uma vítima encontrada morta na frente do portão que dá para um local conhecido com o nome título desta HQ. A história se propõe a investigar o responsável pela morte, mas são tantas as opções dentro da casa que se chega mesmo a esquecer que há um vampiro à solta, vale conferir a HQ não apenas pelo roteiro inteligente, mas pela arte do mestre Shima.
A grande verdade é que eu poderia passar o dia escrevendo e dando exemplos da arte sensacional do mestre Shimamoto, mas deixo aqui uma reticência, para que você busque e se informe mais sobre a arte deste magnífico desenhista chamado Júlio Shimamoto, e que não sou eu quem diz, mas a grande maioria dos ícones do quadrinho nacional, que nunca deixarão de reverenciar a arte ímpar deste mestre do quadrinho nacional e que já conquistou o seu destaque no cenário nacional, não somente ativamente em revistas e trabalhos experimentais, como também na arte alternativa de pessoas que, como eu, tiveram o prazer de publicar seus trabalhos.
E que você nessa busca encontre e encante-se como eu me encantei mais ainda pelos trabalhos do mestre...
Fontes de pesquisa:
Página do Facebook: https://www.facebook.com/julioyshimamoto/?ref=ts&fref=ts
Blog da Socialista Morena: http://www.socialistamorena.com.br/
Blog Histórias Comentadas: https://historiascomentadas.wordpress.com/2014/10/31/os-jardins-da-morte/
Portal Ecodebate: http://sosriosdobrasil.blogspot.com.br/2013/03/era-uma-vez-um-rio-de-anne-raquel.html
terça-feira, 28 de fevereiro de 2017
domingo, 26 de fevereiro de 2017
Fanzine e Quadrinhos, Combinação de Sonhos...
Fanzine e quadrinhos,
Combinação de sonhos...
Quem nunca, quando criança, colecionou revistas em quadrinhos? Inúmeros eram os personagens, Turma da Mônica, Chico Bento, Mickey, Donald, Tio Patinhas, Heróis Marvel e DC como Thor, Homem Aranha, Superman, Mulher Maravilha... opções não faltavam nas bancas de jornais. Na minha época de menino, ficava ansioso pelos domingos, após a missa tradicional das manhãs, uma visita ao jornaleiro era de praxe e quase uma obrigação. Folheava as revistas em busca daquela que iria levar para casa. Minhas escolhas eram sempre os heróis, preferencialmente os da Marvel, HQs pelas quais sou apaixonado até hoje.
A banca de jornais da cidade era metade do caminho da escola até minha casa, e todos os dias a parada era obrigatória. Enquanto um amigo se divertia em busca de revistas de automobilismo, F1, eu corria para a seção onde ficavam os gibis. Cheguei a ter mais de 500 revistas Marvel na minha coleção. Homem Aranha e A Espada Selvagem de Conan, o Bárbaro, eram as preferidas e tinha a coleção completa. Mas tinha também do Thor, do Capitão América, X-men, Hulk, entre outras na coleção. Uma pena que a coleção se perdeu com o tempo, hoje seriam relíquias...
Na adolescência comecei com a produção de fanzines, feitos artesanalmente, e contatava os colaboradores através de cartas, o que demandava muito tempo entre a chegada dos desenhos e a edição do fanzine... A descoberta deste fascinante mundo veio com o “Repórter HQ”, publicado pelo Antônio Roque Gobbo, da Biblioteca de Histórias em Quadrinhos de Belo Horizonte, fanzine que era “comprado” em selos e enviado mensalmente pelos correios e as edições, às vezes, demoravam semanas para chegar, e a ansiedade por receber o fanzine crescia. A montagem e publicação desses fanzines fazia crescer a admiração por vários artistas também. Havia troca de fanzines, eu enviava os meus e quem produzia também retornava com os seus... ainda posso folhear fanzines como o Guasca, do Sul do país, onde seu editor, Nei Lima, fazia as capas desenhadas a lápis de cor. Ou ainda como o Cabal, do Clodoaldo Cruz, surgido bem depois e já com uma “tecnologia” mais aprimorada de produção e arte. Só sei que, muitas vezes, só precisávamos de tesoura, papel e cola para montar um fanzine... alguns efeitos especiais como letras, nome da edição, periodicidade, número da página, autor, eram feitos no computador e impressos, depois recortados e colados na página. E assim, já pronto, o fanzine ia para ser xerocado. Muitas vezes as cópias não saíam bem, manchadas, faltando pedaço, mas a vontade e a realização eram maiores que uma frustração em não conseguir editar da maneira como se visualizara na mente.
Com o passar do tempo a tecnologia permitia uma melhor elaboração do periódico, e o fanzine se tornava colorido, com impressão melhor das cópias... mas não havia apoio local para produção em massa, e com as responsabilidades da vida de adulto vieram a escassez cada vez maior da produção. Não sobrava muito mais tempo para aquela rotina de montagem, nem para o contato através de cartas. E ficou somente a vontade de produzir novamente.
Amizades se fortaleceram na época, pelo respeito com o trabalho do outro, e também pelas preferências que se solidificaram. Amantes de uma arte milenar. Histórias em Quadrinhos. E veio a era da internet, onde muitos desses amigos migraram para as redes sociais, para os blogs, para as páginas onde seus personagens ganharam nova vida, e mesmo ausente dos quadrinhos por longo tempo, eu acompanhava o surgimento de novas mídias e de novos personagens, além de ver revigorados antigos personagens, que por traços de ícones do quadrinho nacional, se mantiveram na preferência dos amantes daquela época.
Hoje podemos ver HQs e fanzines online, ao alcance de um click do mouse e com visual muito mais bonito, produções de primeira e arte valorizada através de máquinas modernas, como as impressoras à tinta, laser e também por scanners, onde a arte do papel passa para o monitor, e pode ser compartilhada na velocidade de um piscar de olhos.
Saudades daquele tempo, onde o amadorismo se configurava de verdade, as dificuldades de produção nunca eram motivo para se desistir... um lamento apenas porque hoje, com tantos recursos, há poucos profissionais que queiram realmente contribuir para movimentos de fanzines... um respeito enorme pelas amizades cultivadas que até hoje rendem belos trabalhos e edições tão especiais quanto aquelas feitas com tesoura, cola e papel, além, claro, de lápis de cor e caneta nanquim... um desejo enorme que este fanzine, retornando depois de 16 anos ausente do cenário, se fortaleça e se torne um ponto de encontro dos amigos de antes e dos novos amigos que estão chegando...
Por André Carim
Combinação de sonhos...
Quem nunca, quando criança, colecionou revistas em quadrinhos? Inúmeros eram os personagens, Turma da Mônica, Chico Bento, Mickey, Donald, Tio Patinhas, Heróis Marvel e DC como Thor, Homem Aranha, Superman, Mulher Maravilha... opções não faltavam nas bancas de jornais. Na minha época de menino, ficava ansioso pelos domingos, após a missa tradicional das manhãs, uma visita ao jornaleiro era de praxe e quase uma obrigação. Folheava as revistas em busca daquela que iria levar para casa. Minhas escolhas eram sempre os heróis, preferencialmente os da Marvel, HQs pelas quais sou apaixonado até hoje.
A banca de jornais da cidade era metade do caminho da escola até minha casa, e todos os dias a parada era obrigatória. Enquanto um amigo se divertia em busca de revistas de automobilismo, F1, eu corria para a seção onde ficavam os gibis. Cheguei a ter mais de 500 revistas Marvel na minha coleção. Homem Aranha e A Espada Selvagem de Conan, o Bárbaro, eram as preferidas e tinha a coleção completa. Mas tinha também do Thor, do Capitão América, X-men, Hulk, entre outras na coleção. Uma pena que a coleção se perdeu com o tempo, hoje seriam relíquias...
Na adolescência comecei com a produção de fanzines, feitos artesanalmente, e contatava os colaboradores através de cartas, o que demandava muito tempo entre a chegada dos desenhos e a edição do fanzine... A descoberta deste fascinante mundo veio com o “Repórter HQ”, publicado pelo Antônio Roque Gobbo, da Biblioteca de Histórias em Quadrinhos de Belo Horizonte, fanzine que era “comprado” em selos e enviado mensalmente pelos correios e as edições, às vezes, demoravam semanas para chegar, e a ansiedade por receber o fanzine crescia. A montagem e publicação desses fanzines fazia crescer a admiração por vários artistas também. Havia troca de fanzines, eu enviava os meus e quem produzia também retornava com os seus... ainda posso folhear fanzines como o Guasca, do Sul do país, onde seu editor, Nei Lima, fazia as capas desenhadas a lápis de cor. Ou ainda como o Cabal, do Clodoaldo Cruz, surgido bem depois e já com uma “tecnologia” mais aprimorada de produção e arte. Só sei que, muitas vezes, só precisávamos de tesoura, papel e cola para montar um fanzine... alguns efeitos especiais como letras, nome da edição, periodicidade, número da página, autor, eram feitos no computador e impressos, depois recortados e colados na página. E assim, já pronto, o fanzine ia para ser xerocado. Muitas vezes as cópias não saíam bem, manchadas, faltando pedaço, mas a vontade e a realização eram maiores que uma frustração em não conseguir editar da maneira como se visualizara na mente.
Com o passar do tempo a tecnologia permitia uma melhor elaboração do periódico, e o fanzine se tornava colorido, com impressão melhor das cópias... mas não havia apoio local para produção em massa, e com as responsabilidades da vida de adulto vieram a escassez cada vez maior da produção. Não sobrava muito mais tempo para aquela rotina de montagem, nem para o contato através de cartas. E ficou somente a vontade de produzir novamente.
Amizades se fortaleceram na época, pelo respeito com o trabalho do outro, e também pelas preferências que se solidificaram. Amantes de uma arte milenar. Histórias em Quadrinhos. E veio a era da internet, onde muitos desses amigos migraram para as redes sociais, para os blogs, para as páginas onde seus personagens ganharam nova vida, e mesmo ausente dos quadrinhos por longo tempo, eu acompanhava o surgimento de novas mídias e de novos personagens, além de ver revigorados antigos personagens, que por traços de ícones do quadrinho nacional, se mantiveram na preferência dos amantes daquela época.
Hoje podemos ver HQs e fanzines online, ao alcance de um click do mouse e com visual muito mais bonito, produções de primeira e arte valorizada através de máquinas modernas, como as impressoras à tinta, laser e também por scanners, onde a arte do papel passa para o monitor, e pode ser compartilhada na velocidade de um piscar de olhos.
Saudades daquele tempo, onde o amadorismo se configurava de verdade, as dificuldades de produção nunca eram motivo para se desistir... um lamento apenas porque hoje, com tantos recursos, há poucos profissionais que queiram realmente contribuir para movimentos de fanzines... um respeito enorme pelas amizades cultivadas que até hoje rendem belos trabalhos e edições tão especiais quanto aquelas feitas com tesoura, cola e papel, além, claro, de lápis de cor e caneta nanquim... um desejo enorme que este fanzine, retornando depois de 16 anos ausente do cenário, se fortaleça e se torne um ponto de encontro dos amigos de antes e dos novos amigos que estão chegando...
Por André Carim
O que uma paixão pode fazer?
O que uma paixão pode fazer?
Mover multidões, causar alvoroço num aeroporto ou estádio, provocar comoção entre os apaixonados por determinada expressão, que causa uma sintonia entre o objeto de desejo e tantas pessoas pelo mundo.
O fascínio pelas Histórias em Quadrinhos não vem de hoje, aliás, arrisco a dizer que todos nós, em algum momento da vida tivemos a companhia de um personagem em especial... Pode ser que tenha sido um super-herói, ou um personagem cômico, ou mesmo um detetive particular.
A grande verdade é que todos, sem exceção, tiveram por um momento o brilho dos olhos numa história emocionante, numa risada ou numa aventura que, de certo modo, a criança que existia em nós viajava ao mundo dos sonhos, onde tudo era possível.
No Brasil, fomos acostumados a exaltar os personagens dos quadrinhos americanos, Batman, Superman, Mulher Maravilha, entre tantos outros, povoaram nossos sonhos de infância. Nossa cultura sempre relegada a um segundo plano, nunca teve a oportunidade de se mostrar, de cativar os corações dos brasileiros, pois se acostumou a dizer que, tudo que era produzido no Brasil era de péssima qualidade.
Eu mesmo, inúmeras vezes pensei assim... Até que um dia, numa revista alternativa eu descobri que existia muito mais do que até então supunha.
Um mundo inteiro a ser descoberto povoado de emoção, aventura, humor... um mundo repleto de magia e encantamento, onde artistas buscavam competir com os quadrinhos de fora.
Descobri que havia vida na HQ nacional, e muitas vezes vida de qualidade. É verdade que a maioria vinha em forma de protestos, mensagens de luta. Mas as realidades do nosso país, de cada região nesse imenso Brasil tinha muito que mostrar.
O artista nacional também produzia quadrinhos de qualidade. É bem verdade que muita coisa poderia deixar a desejar, mas havia também muita produção de qualidade. E assim eu me apaixonei por essa arte vinda destas terras. Que você que me lê hoje possa dar o devido respeito ao artista nacional.
Que o mundo dos quadrinhos possa se mostrar nestas páginas e em tantas outras de fanzines históricos que resistem ao tempo levando diversão a todos os pontos desse país.
Nossos personagens retratam nossas realidades, e por isso mesmo merecem todo o seu respeito...
Sejam todos muito bem vindos a esse nosso Universo, e que o brilho dos olhos de quem produz provoque o mesmo brilho nos olhos de quem nos lê.
André Carim
Mover multidões, causar alvoroço num aeroporto ou estádio, provocar comoção entre os apaixonados por determinada expressão, que causa uma sintonia entre o objeto de desejo e tantas pessoas pelo mundo.
O fascínio pelas Histórias em Quadrinhos não vem de hoje, aliás, arrisco a dizer que todos nós, em algum momento da vida tivemos a companhia de um personagem em especial... Pode ser que tenha sido um super-herói, ou um personagem cômico, ou mesmo um detetive particular.
A grande verdade é que todos, sem exceção, tiveram por um momento o brilho dos olhos numa história emocionante, numa risada ou numa aventura que, de certo modo, a criança que existia em nós viajava ao mundo dos sonhos, onde tudo era possível.
No Brasil, fomos acostumados a exaltar os personagens dos quadrinhos americanos, Batman, Superman, Mulher Maravilha, entre tantos outros, povoaram nossos sonhos de infância. Nossa cultura sempre relegada a um segundo plano, nunca teve a oportunidade de se mostrar, de cativar os corações dos brasileiros, pois se acostumou a dizer que, tudo que era produzido no Brasil era de péssima qualidade.
Eu mesmo, inúmeras vezes pensei assim... Até que um dia, numa revista alternativa eu descobri que existia muito mais do que até então supunha.
Um mundo inteiro a ser descoberto povoado de emoção, aventura, humor... um mundo repleto de magia e encantamento, onde artistas buscavam competir com os quadrinhos de fora.
Descobri que havia vida na HQ nacional, e muitas vezes vida de qualidade. É verdade que a maioria vinha em forma de protestos, mensagens de luta. Mas as realidades do nosso país, de cada região nesse imenso Brasil tinha muito que mostrar.
O artista nacional também produzia quadrinhos de qualidade. É bem verdade que muita coisa poderia deixar a desejar, mas havia também muita produção de qualidade. E assim eu me apaixonei por essa arte vinda destas terras. Que você que me lê hoje possa dar o devido respeito ao artista nacional.
Que o mundo dos quadrinhos possa se mostrar nestas páginas e em tantas outras de fanzines históricos que resistem ao tempo levando diversão a todos os pontos desse país.
Nossos personagens retratam nossas realidades, e por isso mesmo merecem todo o seu respeito...
Sejam todos muito bem vindos a esse nosso Universo, e que o brilho dos olhos de quem produz provoque o mesmo brilho nos olhos de quem nos lê.
André Carim
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
Formato nos Quadrinhos - Edgard Guimarães - Múltiplo 1
FORMATOS NOS QUADRINHOS
Vou tratar de um assunto que muitas vezes o quadrinhista não dá importância ao planejar sua HQ: o formato da página e a distribuição dos quadrinhos na página. Se já é sabido que a HQ vai ser publicada numa revista, então basta saber o formato da página (que não varia muito entre as revistas), e o tamanho, o número e a distribuição dos quadrinhos na página podem ser quaisquer. O quadrinhista pode exercitar a criatividade na composição da página. Mas se não está certo sobre qual será o veículo da HQ, uma certa padronização pode poupar bastante trabalho quando precisar rediagramar. Longe de querer restringir a liberdade do quadrinhista, a proposta de uma padronização visa a preservar a própria obra, e é também um sinal de respeito para com o leitor. As páginas seguintes com o Príncipe Valente, Tarzan e B. C., e as informações correspondentes, foram tiradas do livro “Quadrinhos e Comunicação de Massa”, editado pelo MASP em 1970.
Vejamos um primeiro tipo de padrão na seguinte página de Príncipe Valente. O padrão é dividir a página vertical em 3 linhas de quadrinhos de mesma altura e dividir a linha do meio em dois quadrinhos de mesma largura. O número de quadrinhos e suas larguras na 1ª e 3ª linhas podem ser quaisquer. Para rediagramar a página no formato horizontal basta colocar o 1º quadro da 2ª linha após a 1ª linha e o 2º quadro da 2ª linha antes da 3ª linha. Veja a página remontada. Considero este um padrão muito bom, pois permite não só montar uma página nos formatos vertical e horizontal como transformar duas tiras (de jornais) em uma página de revista. Para isso basta fazer as tiras sempre aos pares. A 1ª tira do par deve ter sempre o 1º quadro com largura igual a um terço da largura total da tira. Os dois terços iniciais da 1ª tira e dos dois terços finais da 2ª tira podem ter a divisão que quiser. Uma opção, para não ter que fazer as tiras aos pares, é sempre dividir a tira em três quadros de larguras iguais.
A página de Tarzan a seguir mostra outro padrão. Este padrão é mais restritivo e nele o autor tem que fazer um quadrinho que possa ser retirado sem fazer falta à história. A página vertical possui três linhas de quadrinhos de alturas iguais, mas um pouco menores em relação ao padrão anterior, pois deve sobrar um espaço em cima para o título da série. Na 2ª linha, o 1º quadro deve ter largura igual a um terço da linha. Na 3ª linha, o 1º quadro deve também ter largura igual a um terço da linha e, além disso, não pode trazer informação nova, pois ele será eliminado na remontagem na horizontal. Não acho uma boa solução, mas tem a vantagem do título da série ficar fora dos quadrinhos. No caso da página de Príncipe Valente o título fica dentro do 1º quadro. Quando se publica as páginas em álbum não há necessidade do título em todas as páginas. Uma solução seria simplesmente o autor não colocar o título na página, mas aí deve haver imposição da agência distribuidora.
O outro padrão pode ser visto na página de B. C. a seguir. É mais próprio para HQs humorísticas. A página inteira vertical é dividida em quatro linhas de quadrinhos de mesma altura. Na 2ª linha, o 1º quadro deve ter largura igual a um terço da linha, na 3ª linha, o último quadro deve ter largura igual a um terço da largura da linha. A remontagem no formato horizontal fica: o 1º quadro da 2ª linha para o final da 1ª linha. Os dois terços finais da 2ª linha e os dois terços iniciais da 3ª linha formam a nova 2ª linha; o um terço final da terceira linha é colocado na frente da 4ª linha para formar a nova 3ª linha. Neste padrão, o formato horizontal tem três linhas para ocupar meia página de jornal tablóide. Uma variação neste formato horizontal é elimininar a primeira linha e publicar somente as duas últimas linhas em um terço de página de jornal tablóide. Para que se possa fazer isso é preciso que essa primeira linha seja composta da seguinte maneira: a primeira metade é o título da série, e depois vem mais dois quadrinhos que devem ser independentes dos demais. Basta ver nas páginas dominicais de Garfield ou Calvin, entre outros, que os dois primeiros quadrinhos formam uma piada isolada. Por esse motivo e pelo fato dos quadrinhos serem menores este padrão não é apropriado para as séries de aventuras.
Em relação ao tamanho do original de uma tira, a princípio não há um padrão rígido, pode-se fazer do tamanho que quiser. Mas há um formato que muitas vezes é usado. É a tira com 29,5 cm de largura por 9,5 cm de altura. A razão dessa largura é que fica fácil a divisão em três ou quatro quadrinhos iguais. Ou seja, uma tira de largura 29,5 cm pode ser dividida em 3 quadros de 9,5 cm de largura cada com 0,5 cm entre eles (neste caso trata-se de 3 quadrados pois a largura e a altura são iguais), ou em 4 quadros de 7,0 cm de largura com 0,5 cm entre eles. Com uma largura de 29,5 cm no original, ao se fazer uma redução de 50%, obtém-se para publicação uma tira de aproximadamente 15 cm, que é mais ou menos a metade do espaço útil numa folha de jornal. Assim, uma folha comportaria duas colunas de tiras neste tamanho. Hoje, no entanto, o espaço dedicado a uma tira no jornal é menor, ou seja, a tira é reduzida até ficar com uma largura de uns 12 cm. Mas o formato 29,5 x 9,5 cm continua uma boa sugestãopara a confecção do original.
Existe uma outra divisão de quadros numa tira que tem uma vantagem adicional. É fazer com que haja uma separação de quadros exatamente nomeio da largura da tira. O caso de tira de 4 quadros iguais é um caso particular deste padrão. Tanto a primeira metade da tira quanto a segunda metade da tira podem ter a divisão que quiser. A vantagem desse padrão é facilitar a montagem no formato livro de bolso. Asism, cada tira se transforma em uma página de duas linhas de quadrinhos. Os diversos livros de bolso da Editora Artenova e os recentes livros de Mafalda, da Martins Fontes, mostram como é problemática a adaptação de tiras para este formato.
Estas sugestões que faço de padrões para HQs não tem o intuito de tolher o autor. Mas muitas vezes o autor faz uma divisão aleatória dos quadros que dificultaria uma remontagem, sendo que sua HQ não perderia nada se ele a tivesse feito em um dos padrões. Por outro lado, se ele faz a HQ num formato e só consegue vendê-la a uma revista de formato diferente, o editor não hesitará em reformatá-la como for possível, cortando pedaços ou quadros inteiros no processo. Mesmo quando o editor é responsável, o resultado fica a desejar. Há o caso das tiras Matt Dillon (ou Gun Law) publicadas pela Editora Vecchi na revista “Histórias de Faroeste”. Harry Bishop, o autor da tira tnha a mania de colocar os balões atravessando de um quadro para outro. Na hora de reformatar para o formatinho ficava um desastre.
Portanto, o uso de um padrão na feitura da HQ é uma maneira do autor preservar a integridade de sua obra quando esta tiver que ser reformatada
Vou tratar de um assunto que muitas vezes o quadrinhista não dá importância ao planejar sua HQ: o formato da página e a distribuição dos quadrinhos na página. Se já é sabido que a HQ vai ser publicada numa revista, então basta saber o formato da página (que não varia muito entre as revistas), e o tamanho, o número e a distribuição dos quadrinhos na página podem ser quaisquer. O quadrinhista pode exercitar a criatividade na composição da página. Mas se não está certo sobre qual será o veículo da HQ, uma certa padronização pode poupar bastante trabalho quando precisar rediagramar. Longe de querer restringir a liberdade do quadrinhista, a proposta de uma padronização visa a preservar a própria obra, e é também um sinal de respeito para com o leitor. As páginas seguintes com o Príncipe Valente, Tarzan e B. C., e as informações correspondentes, foram tiradas do livro “Quadrinhos e Comunicação de Massa”, editado pelo MASP em 1970.
Vejamos um primeiro tipo de padrão na seguinte página de Príncipe Valente. O padrão é dividir a página vertical em 3 linhas de quadrinhos de mesma altura e dividir a linha do meio em dois quadrinhos de mesma largura. O número de quadrinhos e suas larguras na 1ª e 3ª linhas podem ser quaisquer. Para rediagramar a página no formato horizontal basta colocar o 1º quadro da 2ª linha após a 1ª linha e o 2º quadro da 2ª linha antes da 3ª linha. Veja a página remontada. Considero este um padrão muito bom, pois permite não só montar uma página nos formatos vertical e horizontal como transformar duas tiras (de jornais) em uma página de revista. Para isso basta fazer as tiras sempre aos pares. A 1ª tira do par deve ter sempre o 1º quadro com largura igual a um terço da largura total da tira. Os dois terços iniciais da 1ª tira e dos dois terços finais da 2ª tira podem ter a divisão que quiser. Uma opção, para não ter que fazer as tiras aos pares, é sempre dividir a tira em três quadros de larguras iguais.
A página de Tarzan a seguir mostra outro padrão. Este padrão é mais restritivo e nele o autor tem que fazer um quadrinho que possa ser retirado sem fazer falta à história. A página vertical possui três linhas de quadrinhos de alturas iguais, mas um pouco menores em relação ao padrão anterior, pois deve sobrar um espaço em cima para o título da série. Na 2ª linha, o 1º quadro deve ter largura igual a um terço da linha. Na 3ª linha, o 1º quadro deve também ter largura igual a um terço da linha e, além disso, não pode trazer informação nova, pois ele será eliminado na remontagem na horizontal. Não acho uma boa solução, mas tem a vantagem do título da série ficar fora dos quadrinhos. No caso da página de Príncipe Valente o título fica dentro do 1º quadro. Quando se publica as páginas em álbum não há necessidade do título em todas as páginas. Uma solução seria simplesmente o autor não colocar o título na página, mas aí deve haver imposição da agência distribuidora.
O outro padrão pode ser visto na página de B. C. a seguir. É mais próprio para HQs humorísticas. A página inteira vertical é dividida em quatro linhas de quadrinhos de mesma altura. Na 2ª linha, o 1º quadro deve ter largura igual a um terço da linha, na 3ª linha, o último quadro deve ter largura igual a um terço da largura da linha. A remontagem no formato horizontal fica: o 1º quadro da 2ª linha para o final da 1ª linha. Os dois terços finais da 2ª linha e os dois terços iniciais da 3ª linha formam a nova 2ª linha; o um terço final da terceira linha é colocado na frente da 4ª linha para formar a nova 3ª linha. Neste padrão, o formato horizontal tem três linhas para ocupar meia página de jornal tablóide. Uma variação neste formato horizontal é elimininar a primeira linha e publicar somente as duas últimas linhas em um terço de página de jornal tablóide. Para que se possa fazer isso é preciso que essa primeira linha seja composta da seguinte maneira: a primeira metade é o título da série, e depois vem mais dois quadrinhos que devem ser independentes dos demais. Basta ver nas páginas dominicais de Garfield ou Calvin, entre outros, que os dois primeiros quadrinhos formam uma piada isolada. Por esse motivo e pelo fato dos quadrinhos serem menores este padrão não é apropriado para as séries de aventuras.
Em relação ao tamanho do original de uma tira, a princípio não há um padrão rígido, pode-se fazer do tamanho que quiser. Mas há um formato que muitas vezes é usado. É a tira com 29,5 cm de largura por 9,5 cm de altura. A razão dessa largura é que fica fácil a divisão em três ou quatro quadrinhos iguais. Ou seja, uma tira de largura 29,5 cm pode ser dividida em 3 quadros de 9,5 cm de largura cada com 0,5 cm entre eles (neste caso trata-se de 3 quadrados pois a largura e a altura são iguais), ou em 4 quadros de 7,0 cm de largura com 0,5 cm entre eles. Com uma largura de 29,5 cm no original, ao se fazer uma redução de 50%, obtém-se para publicação uma tira de aproximadamente 15 cm, que é mais ou menos a metade do espaço útil numa folha de jornal. Assim, uma folha comportaria duas colunas de tiras neste tamanho. Hoje, no entanto, o espaço dedicado a uma tira no jornal é menor, ou seja, a tira é reduzida até ficar com uma largura de uns 12 cm. Mas o formato 29,5 x 9,5 cm continua uma boa sugestãopara a confecção do original.
Existe uma outra divisão de quadros numa tira que tem uma vantagem adicional. É fazer com que haja uma separação de quadros exatamente nomeio da largura da tira. O caso de tira de 4 quadros iguais é um caso particular deste padrão. Tanto a primeira metade da tira quanto a segunda metade da tira podem ter a divisão que quiser. A vantagem desse padrão é facilitar a montagem no formato livro de bolso. Asism, cada tira se transforma em uma página de duas linhas de quadrinhos. Os diversos livros de bolso da Editora Artenova e os recentes livros de Mafalda, da Martins Fontes, mostram como é problemática a adaptação de tiras para este formato.
Estas sugestões que faço de padrões para HQs não tem o intuito de tolher o autor. Mas muitas vezes o autor faz uma divisão aleatória dos quadros que dificultaria uma remontagem, sendo que sua HQ não perderia nada se ele a tivesse feito em um dos padrões. Por outro lado, se ele faz a HQ num formato e só consegue vendê-la a uma revista de formato diferente, o editor não hesitará em reformatá-la como for possível, cortando pedaços ou quadros inteiros no processo. Mesmo quando o editor é responsável, o resultado fica a desejar. Há o caso das tiras Matt Dillon (ou Gun Law) publicadas pela Editora Vecchi na revista “Histórias de Faroeste”. Harry Bishop, o autor da tira tnha a mania de colocar os balões atravessando de um quadro para outro. Na hora de reformatar para o formatinho ficava um desastre.
Portanto, o uso de um padrão na feitura da HQ é uma maneira do autor preservar a integridade de sua obra quando esta tiver que ser reformatada
Depoimento de Julio Shimamoto
DEPOIMENTO DE JULIO SHIMAMOTO AO JORNALISTA BRUNO MOLINERO
Como surgiu o convite para participar da Folhinha? Estava relacionado com você ter integrado a Associação dos Desenhistas de São Paulo e conhecer o Mauricio de Sousa?
Em 1961, sendo amigo de Waldyr Igayara, Luís Saidenberg, Liryo Aragão Dias e meu, o editor Miguel F. Penteado, ex-sócio da Editora Outubro, costumava frequentar nosso estúdio no 19º andar do velho Edifício Martinelli, na Rua São Bento, em São Paulo. Quando jovem, ele tinha sido líder sindical dos gráficos, e insistia conosco que desenhistas e roteiristas de quadrinhos deveriam se unir para fundarem uma associação em defesa dos interesses da classe. Que só unidos poderíamos impor nossos pleitos perante os editores.
Desagregados e individualistas por natureza, os quadrinistas viviam submetidos à baixa remuneração e os direitos autorais desrespeitados.
Mas havia uma lógica inegável para as editoras não quererem pagar o razoável por uma HQ nacional: comodidade e preço! Cada quadrinho estrangeiro chegava aqui barato porque eram revendidos no mundo inteiro, dezenas, centenas, ou até milhares de vezes pelos distribuidores como APLA e King Features Syndicate dos EUA, para citar alguns exemplos. Mesmo acrescentando o custo de tradução e adaptação para ser impresso em português, o dispêndio ficava muito aquém do mínimo que ofereciam ao criador nacional.
Maurício de Souza, que também trabalhava como repórter policial na Folha de São Paulo, era outro amigo que nos visitava com certa periodicidade e ficou sabendo das ideias coletivistas de Miguel. Não irei entrar em detalhes, mas o fato é que o assunto tomou vulto rapidamente com a adesão de Renato Barbosa, dinâmico jornalista do jornal "O Correio Paulistano". Seu irmão Elí Barbosa também era desenhista, embora fosse do ramo de animação, convidou seus colegas para engrossar nosso movimento. Nosso estúdio virou sede de debates atraindo desenhistas e roteiristas de diversas áreas, e concluímos que a insatisfação não era exclusiva dos profissionais dos quadrinhos. O Maurício conseguiu contato com os desenhistas cariocas, que sob a liderança de José Geraldo Barreto fundaram a ADERJ, inspirados na nossa associação.
Em pouco tempo, as notícias do movimento reivindicatório se espalharam pelos jornais, rádios e tevês do país. Lutávamos não apenas pela ampliação de espaço de trabalho, mas também pregávamos o compromisso da defesa de nossa cultura, gerando material com conteúdos históricos e folclóricos nacionais, restringindo a invasão indiscriminada de alienantes gibis sobre faroeste, detetives "noir", crimes sadomasô, erotismo vulgar e super-heróis. Educadores e professores das redes públicas e das escolas particulares ficaram empolgados com essas propostas depuradoras e tomaram nosso partido, organizando passeatas e protestos, promovendo nas ruas e em praças públicas grandes queimas de revistas em quadrinhos consideradas nocivas, a maioria de origem estrangeira. A repercussão bateu no palácio do governo, em Brasília, sensibilizando o presidente Jânio Quadros, que antes de entrar para a política tinha sido professor em Mato Grosso. Enviou seu assessor de imprensa para o evento marcado em nosso estúdio, onde lhe foi entregue o memorial reivindicatório redigido por pai da "Mônica". Nessa noite elegemos Maurício presidente da ADESP, por aclamação simples.
O projeto chegou e passou no congresso, e foi para o senado apadrinhado por Aarão Steinbruch, mas devido o poderoso lobby das editoras, acabou engavetado pelo presidente do senado, Eloy Dutra. Do Rio de Janeiro, José Geraldo Barreto tentou contornar o revés buscando outra alternativa, recorrendo ao padrasto, general da reserva que tinha ligações com o PTB, e conseguiu se aproximar de Leonel de Moura Brizola, jovem governador do Rio Grande do Sul, que dava muita ênfase à educação, devido sua esposa presidir a Secretaria da pasta. Geraldo conseguiu espaço na Rua dos Andradas e apoio financeiro, em 1962, e fundou a CETPA (Cooperativa Editora de Trabalho de Porto Alegre).
Para a nossa surpresa, minha e de Saidenberg, José Geraldo nos solicitou quadrinizar o álbum " A HISTÓRIA DA LEGALIDADE", contando as resistências de Brizola e do general Machado Lopes, comandante do III Exército, contra a conspiração dos militares denominados "Forças Ocultas" liderados por Gal. Orlando Geisel, irmão do Gal. Ernesto. Tentativa de impedir a qualquer custo que Jango assumisse a presidência abandonada por Jânio, a ponto de o Gal. Orlando ordenar ao Gal. Machado bombardear Piratiní, palácio do governo gaúcho. Brizola era cunhado de Jango. Machado desobedeceu e ainda pôs o III Exército de prontidão em defesa do Governo, sustando o golpe, e Jango acabou empossado em Brasília. O que ocorreria em 1964 foi o amadurecimento da conspiração de 1961, e isso é outra história que não me cabe abordar aqui. Fizemos o álbum em dupla, esboçado por Saiden e finalizado por mim, e enviamos pelo correio. José Geraldo elogiou nosso trabalho, mas Brizola vetou sua publicação, dizendo que o golpe não se consumara devido o apoio maciço dos rio-grandenses, e que a publicação do álbum conotaria demagogia barata. Não fomos pagos pela tarefa, em compensação, Zé Geraldo nos propôs outros álbuns de cunho educativo.
Éramos solteiros, e decidimos mudar de mala e cuia para o Sul. O Luís produziu lá, o álbum A HISTÓRIA DO COOPERATIVISMO, e eu, o álbum A HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL.
Muitos cariocas, como Flávio Colin, Getúlio Delphin, e José Fortunato também desenharam para a CETPA, porém sem deixar Rio de Janeiro, por terem família e estarem empregados.
O Maurício, casado e com três crianças pequenas, decidira não mais se envolver com movimentos coletivos e resolveu tocar seu próprio projeto, inicialmente denominado BIDULÂNDIA( o cãozinho Bidú era o seu personagem pioneiro), mais tarde rebatizou sua firma para "Maurício de Souza Produções", dando início a produção e distribuição de HQs com novos personagens como Piteco (homem pré-histórico), Horácio (filhote de dinossauro), Jotaleão (elefante) e a emblemática Mônica (inspirada em sua filha do meio, que nunca se separava de um grande coelho de pano, arrastando-o pela casa ).
Encerrado o meu compromisso com o álbum para a CETPA, retornei para Sampa seis meses depois, ainda em 1962. Já Saidenberg, após terminar "A História do Cooperativismo", preferiu continuar em Porto Alegre, e através de amigos gaúchos conseguiu contatos na área de publicidade, para viver de freelances.
O dinheiro ganho no Sul com o álbum, eu entreguei para papai dar como entrada na compra da casa onde morávamos de aluguel. O locador tinha pedido as chaves para pô-la a venda. Eu precisava arranjar novo trabalho com urgência e procurei o velho Miguel Penteado, e graças a sua indicação consegui frilas de ilustrações de livros didáticos da Editora do Brasil, onde o seu amigo Manoel era diretor. Com Maurício, também consegui indicação para um novo projeto de HQ semanal sobre curiosidades futebolísticas para Folha da Tarde.
As portas das editoras de gibis para as quais trabalhávamos antes da ADESP continuavam fechadas para nós, em represália. Fomos rotulados de comunas que atentaram contra seus interesses. Em compensação, no ano seguinte (1963), apesar do movimento pela nacionalização parcial dos quadrinhos ter naufragado, alguns jornais continuavam sensibilizados com a nossa proposta e decidiram abrir espaço para o material nacional. Os primeiros foram a Última Hora, de Samuel Weiner, a popular A Hora, e em seguida, em 1963, Folhas abriu licitação para o projeto de um tabloide infantil dominical, composto de quadrinhos nacionais, e Maurício e a Barbosa Lessa Produções Artísticas resolveram concorrer. Colaborei com ambos na formatação da apresentação dos projetos: para Maurício, com a ajuda de Paulo Hamasaki, que depois seria nomeado seu chefe de estúdio, nós três trabalhamos 24 horas direto, em sua casa, em Mogi das Cruzes. Nada cobrei. Para Barbosa Lessa montei a "boneca" do projeto de apresentação em minha própria casa, em Vila Luzita, Santo André, sem interferência de ninguém, e devido a urgência e eu estar distante do centro de São Paulo, o portador veio com todo o aparato (material) para a execução do trabalho. Também precisei varar a noite. Não discutiram o meu preço, e ainda incluí taxa de urgência. Comprei um fogão à querosene para a minha mãe (antes ela usava fogão a carvão e lenha), e ainda sobrou um troco que repassei para o Maurício que esperava pelo pagamento em atraso das Folhas.
Maurício ganhou a concorrência graças a qualidade de suas HQs predominantemente infantis, enquanto Barbosa só dispunha de HQs juvenis.
FOLHAS pediu a inclusão de uma página juvenil do tipo “O Zorro” no tabloide, como isca para atrair público juvenil ou mesmo para reter leitores que estavam em fase de transição da infância para a adolescência. Maurício passou essa tarefa para mim. Pensei em cangaceiro ou gaúcho, e optei pelo último, devido farto material de pesquisa que tinha acumulado em Porto Alegre fazendo o álbum da História do Rio Grande do Sul. E para me familiarizar com o gauchismo( topografia, costumes e linguajar) li vários autores regionalistas: Érico Veríssimo (O Tempo e o Vento, Ana Terra, Um certo capitão Rodrigo, O Ataque!), Barbosa Lessa (Os Guaxos), João Cândido Maia Neto (História do Rio Grande do Sul), Darcy Azambuja (No Galpão), Simões Lopes Netto (Contos Gauchescos, Histórias de Romualdo, Lendas do Sul, Terra Gaúcha), Walter Spalding (Os Farrapos), e também precisei de um livro sobre a língua tupi-guarani (os tapes e guaranis eram nativos da região).
"O Gaúcho" já existia ou foi concebido especialmente para a Folha?
Já respondido anteriormente.
Em entrevista ao "Universo HQ", você contou que o Mauricio tinha pedido um "zorro brasileiro". E que você ficou entre um cangaceiro e um gaúcho, por causa de uma experiência de um trabalho em Porto Alegre. Confere essa história?
Já respondido anteriormente.
A Tia Lenita tinha alguma interferência na parte dos quadrinhos? Ou isso ficava a cargo do Mauricio?
A professora Lenita nunca palpitou sobre a HQ de O Gaúcho, nem tampouco Maurício. Este até me elogiava em alguns casos, como quando me atrevi a desenhar uma página inteira de um duelo com adagas entre Fidêncio e um desafeto, sem mostrá-los, apenas exibindo a tensão nos rostos da torcida que os rodeavam, mostrando caretas, açulos e deboches!
Como era sua rotina de trabalho em relação à Folhinha? Visitava a Redação com frequência? Como fazia para entregar a página do Gaúcho?
Em 1963, eu comparecia na redação das Folhas uma vez por semana para entregar o original, que era letreirado por Pereira, auxiliar de estúdio de Maurício. O texto eu deixava escrito a lápis nos baluns do próprio original, para ser apagado depois de sobrescrito com tinta nanquim. Senti grande estímulo em fazer O Gaúcho, pois costumava receber avaliações positivas dos redatores que tinham o hábito de acompanhar a série.
Quais materiais costumava usar para fazer as ilustrações? Em qual tipo de papel?
Usava papel canson no formato A3, e esboçava com lápis HB da Johan Faber. Para out-line e hachuras variava as penas, de preferência a francesa Gillot, e o sombreado com o nanquim alemão da Pelikan, que tinha o preto denso, aplicados com pincéis Wikinson nº 2 (inglês) ou Tigre nº 3 (nacional). Nos retoques preferia guaches brancos da nacional Deco (embora provocasse coceira ou bolhas nos dedos por excessos de chumbo e óxido de zinco) ou a alemã Malibu.
Você vivia de quadrinhos naquela época? Além de desenhar para a Folhinha, o que mais fazia?
1963 foi um ano complicado para todo mundo, com a política agitada e instável do governo de João Goulart (sucessor de Jânio, que renunciara logo depois de condecorar Chê Guevara com a "Ordem Cruzeiro do Sul"). Além da página semanal de O Gaúcho, eu fazia ilustrações esporádicas para livros didáticos. Quando nos inícios de 1964 surgiu uma tentadora oportunidade de emprego na MacCan Erikson, multinacional de publicidade, pouco antes da implantação da Ditadura dos generais. A indicação para a vaga veio dos amigos ex-sócios de estúdio Luís Saidenberg e Liryo Aragão Dias, que já estavam trabalhando no departamento de rádio, televisão e cinema da agência, desenhando storyboards e cartelas de chamadas de programas. Ah, esqueci-me de mencionar que, nessa altura, Saidenberg também tinha retornado de Porto Alegre. Topei o emprego, mas mantive O Gaúcho, que durou até maio de 1965.
Desenhava em casa à noite, depois de retornar do trabalho, e era um bocado cansativo, mas servia de garantia de alguma remuneração, caso o novo emprego não desse certo. Na véspera do fechamento do expediente da Folhinha, Maurício enviava o próprio letreirador da minha página, Benedito Pereira, vir para a minha agência apanhar a arte de O Gaúcho.
Permaneci cerca de vinte anos como publicitário, mudando de agência com frequência em busca de aprimoramento e melhoria salarial. Cheguei a ganhar prêmios. Mas nem tudo foi um mar de rosas.
Em 1970, em plena ditadura do Gal. Médici, participei de um grupo de publicitários que decidira ajudar o colega Carlos H. Knap, exilado na França, que passava por dificuldades financeiras. Por um fato inexplicável, ou por descuido de alguém, a lista com os nomes dos contribuintes foi parar nas mãos dos agentes da repressão política e social e terminamos todos presos. Por algum tempo ficamos detidos no quartel da temida OBAN, que estava sob direção do sanguinário torturador Cel. Brilhante Ustra, lá na Rua Tutóia, e depois fomos transferidos para os sombrios porões do DEOPS, próximo da Estação Sorocabana e da Luz. Na OBAN, a experiência foi mais que assustadora, o pior dos pesadelos! Deitávamos no chão frio de cimento das celas sujas, infestadas de baratas e pulgas, e dispúnhamos apenas de finas folhas de jornal como lençol de baixo, sem nada para nos cobrir. Pia com a torneira amassada que deixava escorrer fiozinho de água enferrujada, o banheiro sem porta, sem chuveiro e sem vaso, apenas um buraco nojento para as necessidades fisiológicas. As grades inteiriças de parede-a-parede, sem portas, deixavam passar o vento úmido da madrugada. Ninguém conseguia pregar olho, pelas picadas e coceira e os gritos lancinantes de presos sendo torturados que não cessavam de ferir nossos tímpanos e revolver nossas entranhas. Durava até pouco antes do amanhecer. Eram reais ou gravações ampliadas por alto-falantes? Como saber? Os interrogatórios dos capitães com perguntas repetitivas que se estendiam por horas, com revezamento entre eles, deixavam a gente atordoado. Pelo cansaço e sob pressão incessante, involuntariamente caíamos em contradição, a ponto de errarmos o nome de nossos parentes mais próximos, da mãe, do pai, ou do irmão. Um jovem magro, engenheiro da Brown Bovery, vivia soluçando baixinho, dia e noite, com olhos fixos no chão. Este, quando foi libertado por falta de provas, deixou seu pulôver comigo, pois eu estava apenas com a camisa do corpo. Guardei esse agasalho durante muitos anos sem coragem de devolvê-lo lá na fábrica suíça, em Cotia, onde dissera trabalhar. Tinha receio de complicá-lo, por sentir-me constantemente vigiado.
Outro colega, Marcius, consagrado redator, que o chamavam de pão-duro por nunca ter contribuído para aquelas listinhas para aquisição de torta e refrigerantes para algum colega aniversariante, disse-nos que se arrependera até a medula por ter aberto exceção pela primeira vez, o que acabou provocando sua desgraça. O dono do Hotel Paissandu também estava detido com o seu filho universitário, acusados de acolherem jovens estudantes caçados pela Gestapo brasileira. A comida com cheiro e sabor de rejeitos de lixo, e gosto repugnante de salitre, eram trazidas em grande bandeja encardida e disforme de alumínio. A cor escura do feijão mal disfarçava que estava toda bichada, ao ser servida em pratos e talheres de plástico mal lavados. Tudo parecia planejado para quebrar o nosso ânimo, e esmagar nossa dignidade. Certa tarde, entregaram uma cesta de frutas na cela vizinha, e soube que fora enviado para seus subordinados por Neil (Ferreira) Haddad, famoso diretor de criação da agência Norton de Publicidade. Seu gesto solidário e corajoso calou fundo em nós, ele que também carregava a fama de não pagar nem cafezinho de boteco.
Depois da libertação, eu tinha adquirido a síndrome da perseguição, com constante e a incômoda sensação de estar sendo seguido e vigiado onde andasse e estivesse, nas ruas, dentro de restaurantes ou lojas.
Esse foi o motivo de minha mudança para o Rio de Janeiro. Aqui, casei e tive meus filhos, empregos, e melhor, pude retornar ao que mais gostava de fazer: aos quadrinhos e ilustrações.
O site "Guia dos Quadrinhos" diz que "O Gaúcho", já na época da Folhinha, tinha copyright da Mauricio de Sousa Produções. Isso é verdade? Qual tipo de contrato que existia entre você, a Folha e o Mauricio?
Sim, é verdade. Eu nunca soube do teor do contrato, nem do valor acertado entre Maurício e As Folhas. No nosso caso não passou de compromisso verbal, nada de documento. Bastava que eu criasse e arte-finalizasse O Gaúcho mediante remuneração estipulada por Maurício. Do pagamento era deduzido de 20 ou 25% como taxa administrativa e despesa pelo letreiramento. Houve informações de funcionários do estúdio de Maurício de que O Gaúcho estava sendo distribuído no formato de tiras diárias, também para alguns jornais do interior e em outros estados. Os clichês ou estéreos eram enviados por correio. Se isso realmente acontecia, nunca fui informado oficialmente. Por que não fui verificar com o próprio Maurício? Não quis expor os meus amigos que teriam de testemunhar, e que correriam o risco de demissão por justa causa.
O que "O Gaúcho" representou para a sua carreira de quadrinista e ilustrador?
Foi uma fase muito importante profissionalmente, e que me deu status por ser publicado num jornal de grande prestigio. É inegável que esse fato me facilitou o ingresso no mercado publicitário, iniciando pelo porte de uma MacCann Erikson, maior ou uma das maiores agências do mundo, naquele período.
Houve uma negociação para transformar a história em uma série da TV Tupi? Por que não deu certo?
Em fins de 1964, Lenita Miranda Figueiredo (Tia Lenita), diretora do suplemento Folhinha de São Paulo, chamou-me à sua sala e perguntou-me se eu era autor exclusivo e titular dos direitos de O Gaúcho. No que confirmei, ela disse que um amigo da TV Tupi, do setor de produção, estava interessado em adaptar o meu personagem num seriado para a tevê. Respondi que achava interessante, mas que deveria consultar Maurício por ele ser meu representante. Ela ficou um pouco pensativa, e respondeu que estava bem, que falaria com ele.
Em seguida, comentei com Maurício sobre a proposta da Tia Lenita, e seu comentário foi de acentuada contrariedade: "- Cuidado com ela, é falsa! Não é confiável!"
Deduzi que a relação entre eles, nesse período, andava muito conflituosa. Assim fiquei sem saber realmente como morrera o projeto de O Gaúcho para a TV Tupi.
Na sua opinião, qual o papel que a Folhinha representava entre as crianças da época? Pelo que pude pesquisar, era um projeto muito respeitado entre os pais e a escola, não?
É certeza de que Folhinha ocupou um papel muito importante para os leitores infantis, devido seu conteúdo educativo e recreativo, e pela aceitação irrestrita dos pais e dos professores, sem esquecer a dedicada direção da Professora Lenita Miranda e da genial criatividade de Maurício de Souza e sua equipe. Nenhum outro jornal rivalizava com a Folha de São Paulo e seu suplemento infantil, e sua qualidade era referendada pela excelente tiragem aos domingos.
Para encerrar, quero registrar que O Gaúcho foi republicado em capítulos nos meados dos anos 70 pela Ed. Noblet, na revista “CARABINA SLIM” e, em maio de 2007 a setembro de 2008, dividida em quatro edições, pela SM Editora de Jaú (SP), por José Salles, talentoso roteirista e incansável combatente pelos quadrinhos nacionais.
Como surgiu o convite para participar da Folhinha? Estava relacionado com você ter integrado a Associação dos Desenhistas de São Paulo e conhecer o Mauricio de Sousa?
Em 1961, sendo amigo de Waldyr Igayara, Luís Saidenberg, Liryo Aragão Dias e meu, o editor Miguel F. Penteado, ex-sócio da Editora Outubro, costumava frequentar nosso estúdio no 19º andar do velho Edifício Martinelli, na Rua São Bento, em São Paulo. Quando jovem, ele tinha sido líder sindical dos gráficos, e insistia conosco que desenhistas e roteiristas de quadrinhos deveriam se unir para fundarem uma associação em defesa dos interesses da classe. Que só unidos poderíamos impor nossos pleitos perante os editores.
Desagregados e individualistas por natureza, os quadrinistas viviam submetidos à baixa remuneração e os direitos autorais desrespeitados.
Mas havia uma lógica inegável para as editoras não quererem pagar o razoável por uma HQ nacional: comodidade e preço! Cada quadrinho estrangeiro chegava aqui barato porque eram revendidos no mundo inteiro, dezenas, centenas, ou até milhares de vezes pelos distribuidores como APLA e King Features Syndicate dos EUA, para citar alguns exemplos. Mesmo acrescentando o custo de tradução e adaptação para ser impresso em português, o dispêndio ficava muito aquém do mínimo que ofereciam ao criador nacional.
Maurício de Souza, que também trabalhava como repórter policial na Folha de São Paulo, era outro amigo que nos visitava com certa periodicidade e ficou sabendo das ideias coletivistas de Miguel. Não irei entrar em detalhes, mas o fato é que o assunto tomou vulto rapidamente com a adesão de Renato Barbosa, dinâmico jornalista do jornal "O Correio Paulistano". Seu irmão Elí Barbosa também era desenhista, embora fosse do ramo de animação, convidou seus colegas para engrossar nosso movimento. Nosso estúdio virou sede de debates atraindo desenhistas e roteiristas de diversas áreas, e concluímos que a insatisfação não era exclusiva dos profissionais dos quadrinhos. O Maurício conseguiu contato com os desenhistas cariocas, que sob a liderança de José Geraldo Barreto fundaram a ADERJ, inspirados na nossa associação.
Em pouco tempo, as notícias do movimento reivindicatório se espalharam pelos jornais, rádios e tevês do país. Lutávamos não apenas pela ampliação de espaço de trabalho, mas também pregávamos o compromisso da defesa de nossa cultura, gerando material com conteúdos históricos e folclóricos nacionais, restringindo a invasão indiscriminada de alienantes gibis sobre faroeste, detetives "noir", crimes sadomasô, erotismo vulgar e super-heróis. Educadores e professores das redes públicas e das escolas particulares ficaram empolgados com essas propostas depuradoras e tomaram nosso partido, organizando passeatas e protestos, promovendo nas ruas e em praças públicas grandes queimas de revistas em quadrinhos consideradas nocivas, a maioria de origem estrangeira. A repercussão bateu no palácio do governo, em Brasília, sensibilizando o presidente Jânio Quadros, que antes de entrar para a política tinha sido professor em Mato Grosso. Enviou seu assessor de imprensa para o evento marcado em nosso estúdio, onde lhe foi entregue o memorial reivindicatório redigido por pai da "Mônica". Nessa noite elegemos Maurício presidente da ADESP, por aclamação simples.
O projeto chegou e passou no congresso, e foi para o senado apadrinhado por Aarão Steinbruch, mas devido o poderoso lobby das editoras, acabou engavetado pelo presidente do senado, Eloy Dutra. Do Rio de Janeiro, José Geraldo Barreto tentou contornar o revés buscando outra alternativa, recorrendo ao padrasto, general da reserva que tinha ligações com o PTB, e conseguiu se aproximar de Leonel de Moura Brizola, jovem governador do Rio Grande do Sul, que dava muita ênfase à educação, devido sua esposa presidir a Secretaria da pasta. Geraldo conseguiu espaço na Rua dos Andradas e apoio financeiro, em 1962, e fundou a CETPA (Cooperativa Editora de Trabalho de Porto Alegre).
Para a nossa surpresa, minha e de Saidenberg, José Geraldo nos solicitou quadrinizar o álbum " A HISTÓRIA DA LEGALIDADE", contando as resistências de Brizola e do general Machado Lopes, comandante do III Exército, contra a conspiração dos militares denominados "Forças Ocultas" liderados por Gal. Orlando Geisel, irmão do Gal. Ernesto. Tentativa de impedir a qualquer custo que Jango assumisse a presidência abandonada por Jânio, a ponto de o Gal. Orlando ordenar ao Gal. Machado bombardear Piratiní, palácio do governo gaúcho. Brizola era cunhado de Jango. Machado desobedeceu e ainda pôs o III Exército de prontidão em defesa do Governo, sustando o golpe, e Jango acabou empossado em Brasília. O que ocorreria em 1964 foi o amadurecimento da conspiração de 1961, e isso é outra história que não me cabe abordar aqui. Fizemos o álbum em dupla, esboçado por Saiden e finalizado por mim, e enviamos pelo correio. José Geraldo elogiou nosso trabalho, mas Brizola vetou sua publicação, dizendo que o golpe não se consumara devido o apoio maciço dos rio-grandenses, e que a publicação do álbum conotaria demagogia barata. Não fomos pagos pela tarefa, em compensação, Zé Geraldo nos propôs outros álbuns de cunho educativo.
Éramos solteiros, e decidimos mudar de mala e cuia para o Sul. O Luís produziu lá, o álbum A HISTÓRIA DO COOPERATIVISMO, e eu, o álbum A HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL.
Muitos cariocas, como Flávio Colin, Getúlio Delphin, e José Fortunato também desenharam para a CETPA, porém sem deixar Rio de Janeiro, por terem família e estarem empregados.
O Maurício, casado e com três crianças pequenas, decidira não mais se envolver com movimentos coletivos e resolveu tocar seu próprio projeto, inicialmente denominado BIDULÂNDIA( o cãozinho Bidú era o seu personagem pioneiro), mais tarde rebatizou sua firma para "Maurício de Souza Produções", dando início a produção e distribuição de HQs com novos personagens como Piteco (homem pré-histórico), Horácio (filhote de dinossauro), Jotaleão (elefante) e a emblemática Mônica (inspirada em sua filha do meio, que nunca se separava de um grande coelho de pano, arrastando-o pela casa ).
Encerrado o meu compromisso com o álbum para a CETPA, retornei para Sampa seis meses depois, ainda em 1962. Já Saidenberg, após terminar "A História do Cooperativismo", preferiu continuar em Porto Alegre, e através de amigos gaúchos conseguiu contatos na área de publicidade, para viver de freelances.
O dinheiro ganho no Sul com o álbum, eu entreguei para papai dar como entrada na compra da casa onde morávamos de aluguel. O locador tinha pedido as chaves para pô-la a venda. Eu precisava arranjar novo trabalho com urgência e procurei o velho Miguel Penteado, e graças a sua indicação consegui frilas de ilustrações de livros didáticos da Editora do Brasil, onde o seu amigo Manoel era diretor. Com Maurício, também consegui indicação para um novo projeto de HQ semanal sobre curiosidades futebolísticas para Folha da Tarde.
As portas das editoras de gibis para as quais trabalhávamos antes da ADESP continuavam fechadas para nós, em represália. Fomos rotulados de comunas que atentaram contra seus interesses. Em compensação, no ano seguinte (1963), apesar do movimento pela nacionalização parcial dos quadrinhos ter naufragado, alguns jornais continuavam sensibilizados com a nossa proposta e decidiram abrir espaço para o material nacional. Os primeiros foram a Última Hora, de Samuel Weiner, a popular A Hora, e em seguida, em 1963, Folhas abriu licitação para o projeto de um tabloide infantil dominical, composto de quadrinhos nacionais, e Maurício e a Barbosa Lessa Produções Artísticas resolveram concorrer. Colaborei com ambos na formatação da apresentação dos projetos: para Maurício, com a ajuda de Paulo Hamasaki, que depois seria nomeado seu chefe de estúdio, nós três trabalhamos 24 horas direto, em sua casa, em Mogi das Cruzes. Nada cobrei. Para Barbosa Lessa montei a "boneca" do projeto de apresentação em minha própria casa, em Vila Luzita, Santo André, sem interferência de ninguém, e devido a urgência e eu estar distante do centro de São Paulo, o portador veio com todo o aparato (material) para a execução do trabalho. Também precisei varar a noite. Não discutiram o meu preço, e ainda incluí taxa de urgência. Comprei um fogão à querosene para a minha mãe (antes ela usava fogão a carvão e lenha), e ainda sobrou um troco que repassei para o Maurício que esperava pelo pagamento em atraso das Folhas.
Maurício ganhou a concorrência graças a qualidade de suas HQs predominantemente infantis, enquanto Barbosa só dispunha de HQs juvenis.
FOLHAS pediu a inclusão de uma página juvenil do tipo “O Zorro” no tabloide, como isca para atrair público juvenil ou mesmo para reter leitores que estavam em fase de transição da infância para a adolescência. Maurício passou essa tarefa para mim. Pensei em cangaceiro ou gaúcho, e optei pelo último, devido farto material de pesquisa que tinha acumulado em Porto Alegre fazendo o álbum da História do Rio Grande do Sul. E para me familiarizar com o gauchismo( topografia, costumes e linguajar) li vários autores regionalistas: Érico Veríssimo (O Tempo e o Vento, Ana Terra, Um certo capitão Rodrigo, O Ataque!), Barbosa Lessa (Os Guaxos), João Cândido Maia Neto (História do Rio Grande do Sul), Darcy Azambuja (No Galpão), Simões Lopes Netto (Contos Gauchescos, Histórias de Romualdo, Lendas do Sul, Terra Gaúcha), Walter Spalding (Os Farrapos), e também precisei de um livro sobre a língua tupi-guarani (os tapes e guaranis eram nativos da região).
"O Gaúcho" já existia ou foi concebido especialmente para a Folha?
Já respondido anteriormente.
Em entrevista ao "Universo HQ", você contou que o Mauricio tinha pedido um "zorro brasileiro". E que você ficou entre um cangaceiro e um gaúcho, por causa de uma experiência de um trabalho em Porto Alegre. Confere essa história?
Já respondido anteriormente.
A Tia Lenita tinha alguma interferência na parte dos quadrinhos? Ou isso ficava a cargo do Mauricio?
A professora Lenita nunca palpitou sobre a HQ de O Gaúcho, nem tampouco Maurício. Este até me elogiava em alguns casos, como quando me atrevi a desenhar uma página inteira de um duelo com adagas entre Fidêncio e um desafeto, sem mostrá-los, apenas exibindo a tensão nos rostos da torcida que os rodeavam, mostrando caretas, açulos e deboches!
Como era sua rotina de trabalho em relação à Folhinha? Visitava a Redação com frequência? Como fazia para entregar a página do Gaúcho?
Em 1963, eu comparecia na redação das Folhas uma vez por semana para entregar o original, que era letreirado por Pereira, auxiliar de estúdio de Maurício. O texto eu deixava escrito a lápis nos baluns do próprio original, para ser apagado depois de sobrescrito com tinta nanquim. Senti grande estímulo em fazer O Gaúcho, pois costumava receber avaliações positivas dos redatores que tinham o hábito de acompanhar a série.
Quais materiais costumava usar para fazer as ilustrações? Em qual tipo de papel?
Usava papel canson no formato A3, e esboçava com lápis HB da Johan Faber. Para out-line e hachuras variava as penas, de preferência a francesa Gillot, e o sombreado com o nanquim alemão da Pelikan, que tinha o preto denso, aplicados com pincéis Wikinson nº 2 (inglês) ou Tigre nº 3 (nacional). Nos retoques preferia guaches brancos da nacional Deco (embora provocasse coceira ou bolhas nos dedos por excessos de chumbo e óxido de zinco) ou a alemã Malibu.
Você vivia de quadrinhos naquela época? Além de desenhar para a Folhinha, o que mais fazia?
1963 foi um ano complicado para todo mundo, com a política agitada e instável do governo de João Goulart (sucessor de Jânio, que renunciara logo depois de condecorar Chê Guevara com a "Ordem Cruzeiro do Sul"). Além da página semanal de O Gaúcho, eu fazia ilustrações esporádicas para livros didáticos. Quando nos inícios de 1964 surgiu uma tentadora oportunidade de emprego na MacCan Erikson, multinacional de publicidade, pouco antes da implantação da Ditadura dos generais. A indicação para a vaga veio dos amigos ex-sócios de estúdio Luís Saidenberg e Liryo Aragão Dias, que já estavam trabalhando no departamento de rádio, televisão e cinema da agência, desenhando storyboards e cartelas de chamadas de programas. Ah, esqueci-me de mencionar que, nessa altura, Saidenberg também tinha retornado de Porto Alegre. Topei o emprego, mas mantive O Gaúcho, que durou até maio de 1965.
Desenhava em casa à noite, depois de retornar do trabalho, e era um bocado cansativo, mas servia de garantia de alguma remuneração, caso o novo emprego não desse certo. Na véspera do fechamento do expediente da Folhinha, Maurício enviava o próprio letreirador da minha página, Benedito Pereira, vir para a minha agência apanhar a arte de O Gaúcho.
Permaneci cerca de vinte anos como publicitário, mudando de agência com frequência em busca de aprimoramento e melhoria salarial. Cheguei a ganhar prêmios. Mas nem tudo foi um mar de rosas.
Em 1970, em plena ditadura do Gal. Médici, participei de um grupo de publicitários que decidira ajudar o colega Carlos H. Knap, exilado na França, que passava por dificuldades financeiras. Por um fato inexplicável, ou por descuido de alguém, a lista com os nomes dos contribuintes foi parar nas mãos dos agentes da repressão política e social e terminamos todos presos. Por algum tempo ficamos detidos no quartel da temida OBAN, que estava sob direção do sanguinário torturador Cel. Brilhante Ustra, lá na Rua Tutóia, e depois fomos transferidos para os sombrios porões do DEOPS, próximo da Estação Sorocabana e da Luz. Na OBAN, a experiência foi mais que assustadora, o pior dos pesadelos! Deitávamos no chão frio de cimento das celas sujas, infestadas de baratas e pulgas, e dispúnhamos apenas de finas folhas de jornal como lençol de baixo, sem nada para nos cobrir. Pia com a torneira amassada que deixava escorrer fiozinho de água enferrujada, o banheiro sem porta, sem chuveiro e sem vaso, apenas um buraco nojento para as necessidades fisiológicas. As grades inteiriças de parede-a-parede, sem portas, deixavam passar o vento úmido da madrugada. Ninguém conseguia pregar olho, pelas picadas e coceira e os gritos lancinantes de presos sendo torturados que não cessavam de ferir nossos tímpanos e revolver nossas entranhas. Durava até pouco antes do amanhecer. Eram reais ou gravações ampliadas por alto-falantes? Como saber? Os interrogatórios dos capitães com perguntas repetitivas que se estendiam por horas, com revezamento entre eles, deixavam a gente atordoado. Pelo cansaço e sob pressão incessante, involuntariamente caíamos em contradição, a ponto de errarmos o nome de nossos parentes mais próximos, da mãe, do pai, ou do irmão. Um jovem magro, engenheiro da Brown Bovery, vivia soluçando baixinho, dia e noite, com olhos fixos no chão. Este, quando foi libertado por falta de provas, deixou seu pulôver comigo, pois eu estava apenas com a camisa do corpo. Guardei esse agasalho durante muitos anos sem coragem de devolvê-lo lá na fábrica suíça, em Cotia, onde dissera trabalhar. Tinha receio de complicá-lo, por sentir-me constantemente vigiado.
Outro colega, Marcius, consagrado redator, que o chamavam de pão-duro por nunca ter contribuído para aquelas listinhas para aquisição de torta e refrigerantes para algum colega aniversariante, disse-nos que se arrependera até a medula por ter aberto exceção pela primeira vez, o que acabou provocando sua desgraça. O dono do Hotel Paissandu também estava detido com o seu filho universitário, acusados de acolherem jovens estudantes caçados pela Gestapo brasileira. A comida com cheiro e sabor de rejeitos de lixo, e gosto repugnante de salitre, eram trazidas em grande bandeja encardida e disforme de alumínio. A cor escura do feijão mal disfarçava que estava toda bichada, ao ser servida em pratos e talheres de plástico mal lavados. Tudo parecia planejado para quebrar o nosso ânimo, e esmagar nossa dignidade. Certa tarde, entregaram uma cesta de frutas na cela vizinha, e soube que fora enviado para seus subordinados por Neil (Ferreira) Haddad, famoso diretor de criação da agência Norton de Publicidade. Seu gesto solidário e corajoso calou fundo em nós, ele que também carregava a fama de não pagar nem cafezinho de boteco.
Depois da libertação, eu tinha adquirido a síndrome da perseguição, com constante e a incômoda sensação de estar sendo seguido e vigiado onde andasse e estivesse, nas ruas, dentro de restaurantes ou lojas.
Esse foi o motivo de minha mudança para o Rio de Janeiro. Aqui, casei e tive meus filhos, empregos, e melhor, pude retornar ao que mais gostava de fazer: aos quadrinhos e ilustrações.
O site "Guia dos Quadrinhos" diz que "O Gaúcho", já na época da Folhinha, tinha copyright da Mauricio de Sousa Produções. Isso é verdade? Qual tipo de contrato que existia entre você, a Folha e o Mauricio?
Sim, é verdade. Eu nunca soube do teor do contrato, nem do valor acertado entre Maurício e As Folhas. No nosso caso não passou de compromisso verbal, nada de documento. Bastava que eu criasse e arte-finalizasse O Gaúcho mediante remuneração estipulada por Maurício. Do pagamento era deduzido de 20 ou 25% como taxa administrativa e despesa pelo letreiramento. Houve informações de funcionários do estúdio de Maurício de que O Gaúcho estava sendo distribuído no formato de tiras diárias, também para alguns jornais do interior e em outros estados. Os clichês ou estéreos eram enviados por correio. Se isso realmente acontecia, nunca fui informado oficialmente. Por que não fui verificar com o próprio Maurício? Não quis expor os meus amigos que teriam de testemunhar, e que correriam o risco de demissão por justa causa.
O que "O Gaúcho" representou para a sua carreira de quadrinista e ilustrador?
Foi uma fase muito importante profissionalmente, e que me deu status por ser publicado num jornal de grande prestigio. É inegável que esse fato me facilitou o ingresso no mercado publicitário, iniciando pelo porte de uma MacCann Erikson, maior ou uma das maiores agências do mundo, naquele período.
Houve uma negociação para transformar a história em uma série da TV Tupi? Por que não deu certo?
Em fins de 1964, Lenita Miranda Figueiredo (Tia Lenita), diretora do suplemento Folhinha de São Paulo, chamou-me à sua sala e perguntou-me se eu era autor exclusivo e titular dos direitos de O Gaúcho. No que confirmei, ela disse que um amigo da TV Tupi, do setor de produção, estava interessado em adaptar o meu personagem num seriado para a tevê. Respondi que achava interessante, mas que deveria consultar Maurício por ele ser meu representante. Ela ficou um pouco pensativa, e respondeu que estava bem, que falaria com ele.
Em seguida, comentei com Maurício sobre a proposta da Tia Lenita, e seu comentário foi de acentuada contrariedade: "- Cuidado com ela, é falsa! Não é confiável!"
Deduzi que a relação entre eles, nesse período, andava muito conflituosa. Assim fiquei sem saber realmente como morrera o projeto de O Gaúcho para a TV Tupi.
Na sua opinião, qual o papel que a Folhinha representava entre as crianças da época? Pelo que pude pesquisar, era um projeto muito respeitado entre os pais e a escola, não?
É certeza de que Folhinha ocupou um papel muito importante para os leitores infantis, devido seu conteúdo educativo e recreativo, e pela aceitação irrestrita dos pais e dos professores, sem esquecer a dedicada direção da Professora Lenita Miranda e da genial criatividade de Maurício de Souza e sua equipe. Nenhum outro jornal rivalizava com a Folha de São Paulo e seu suplemento infantil, e sua qualidade era referendada pela excelente tiragem aos domingos.
Para encerrar, quero registrar que O Gaúcho foi republicado em capítulos nos meados dos anos 70 pela Ed. Noblet, na revista “CARABINA SLIM” e, em maio de 2007 a setembro de 2008, dividida em quatro edições, pela SM Editora de Jaú (SP), por José Salles, talentoso roteirista e incansável combatente pelos quadrinhos nacionais.
Tiras, Quadrinhos Sim! - Múltiplo 4
Tiras, Quadrinhos Sim!
Por André Carim
Quem nunca se divertiu com as tiras dos jornais de domingo, onde, na maioria das vezes podíamos nos deli-ciar com nossos personagens preferidos em histórias em quadrinhos, sequenciais ou não? A verdade é que essa forma de expressão tomava conta de muitos fãs dos personagens de HQs e nos traziam uma certa leveza, principalmente se eram de humor, e eu, particularmente, acompanhava fiel-mente aquela que mais gostava (ainda hoje é assim, como o Coelho Nero do amigo Omar Viñole, que me diverte muito), e muitas vezes ficava triste ao perder alguma sequência.
Como diz Bira Dantas na sua resposta ao meu questionamento sobre tiras, e eu concordo com ele, deve dar um trabalhão imenso manter a sequência de alguma HQ nesse formato. Como prender a atenção do leitor e fazer com que ele queira acompanhar diariamente, ou duas vezes por semana, ou mesmo apenas uma única vez, seu personagem preferido em aventuras sequenciais e sem saber quando chegará ao fim?
Bira Dantas considera as tiras uma forma trabalhosa e prazerosa:
“Eu considero as tiras diárias como uma das formas mais trabalhosas e prazerosas de se fazer Quadrinhos. Apesar do estilo quase total de se produzir Tiras seja a de piadas cômicas de tira única (com começo, meio e fim), me agrada muito produzir tiras com histórias sequenciais (como nos primórdios das Comics Strip), linha seguida nos anos 80 por Luiz Gê nas tiras do Presidente Reis. O que mais me atraía no Tatuman era começar uma série sem saber como ia aca-bar, como com Jerônimo (o herói do sertão), o Eternauta (do argentino Oesterheld), com TEX (Bonelli e Gallep) ou com a Turma do Pererê (do Mestre Ziraldo) (Bira Dantas) ”
A grande verdade é que as tiras têm o seu lugar no coração de quem gosta de HQs. Como diz Edgard Guimarães em sua resposta, o espaço que elas tinham nos jornais era grande, havia uma valorização desse tipo de publicação (como podemos lembrar do Jornal O Globo, onde havia uma seção inteira somente com tiras de personagens de HQs). E acredito também que muitos artistas, pelo pouco tempo que têm em seus dias corridos, se utilizam desta forma de ex-pressão para marcar sempre uma presença do seu trabalho, seja nas redes sociais (posso citar como exemplo a Jambalaya, do Laudo), seja em fanzines e revistas de HQs.
Edgard Guimarães assim definiu as tiras:
“A tira já foi um meio bem mais importante do que é hoje. Seu espaço nos jornais era muito mais valorizado. Mas existe ainda um atrativo neste formato de História em Quadrinhos que leva muitos autores a usá-lo, mesmo sendo muito pequeno o espaço para publicação. Eu tenho feito várias séries neste formato, como 'Ju & Jigá' e 'cotidiano alterado', mais por tradição, mas note que eu faço sempre com 4 quadros de tamanhos iguais, para facilitar publicar cada tira numa página, com os dois primeiros quadros em cima e os dois últimos embaixo. Assim, os desenhos não ficam muito reduzidos, já que os faço com bastante detalhes. ”
Cada um tem a sua preferência quando se trata de tiras de HQs, e a minha é por tiras de humor, onde po-demos brincar com o nosso cotidiano, com os problemas que nos afligem e com as coisas boas também. Elas me divertem e aliviam um pouco o stress dos dias corridos. As tiras são sim um exercício de criatividade, mas não somente para o artista que as produz, mas também para quem as lê. Têm vida e nos fazem refletir sobre diversas coisas com uma ma-neira gostosa.
Henrique Magalhães:
“Para fazer uma tira basta ter uma boa ideia, que seja algo ao mesmo tempo surpreendente e inovador. A tira joga muito com a linguagem, seja escrita ou visual. Gosto de tiras porque são um ótimo exercício de síntese e criatividade. ”
No nosso dia-a-dia, por mais corrido que seja, sempre tem aquele momento de humor ou de transtorno, aquela inspiração que pode ser vista em muitos personagens de tiras, sejam eles internacionais ou, no caso do Universo Alternativo, na maioria das vezes, de artistas nacionais, caricaturistas ou apenas desenhistas, que se aventuram por esse mundo e nos fazem aventurarmos junto deles. O desta-que na minha opinião para isso é o Coelho Nero, do amigo Omar Viñole, que retrata o bom humor de muitos de nossos artistas.
Omar Viñole
Olha, para fazer uma tira acho importante você estar bem antenado com o que está acontecendo com o mundo, com as coisas ao seu redor. Tudo pode virar algum assunto para fazer uma tira. Seja política, cotidiana, filosófica, etc... As tiras podem ser reflexivas, fazem você pensar sobre o assunto abordado nelas que pode ter a ver com você, ou com o seu país ou alguém que você conhece ou com o mundo. Na maioria das vezes a tira sintetiza, quase sempre no humor, nossos problemas.
Tudo que tenho visto, seja HQ de várias páginas ou apenas uma, tiras de um, dois, três e até quatro quadros, demonstra a criatividade do nosso artista, do produtor, digamos assim, de quadrinhos. A qualidade demonstra-da, a vontade de estar perto do leitor e interagir com ele no dia-a-dia. Provocando nesse mesmo leitor a vontade de cri-ar junto com o artista. A verdade é que, por mais que se passem os anos e as tiras tenha o seu espaço limitado na grande mídia, elas representam um papel fundamental de inclusão para muitas pessoas que delas tiram o bom humor para enfrentar as adversidades, bem como o estímulo para não deixar a peteca cair.
É como se o personagem que ali está ganhasse vida dentro da gente, e a criança, há tanto tempo adormecida, pode novamente sorrir com essa arte sequencial e fundamentalmente cativante.
Laudo Ferreira Jr. e o seu amplo acervo de tiras:
Apesar de desde o início de minha carreira nos quadrinhos eu ter criado algumas tirinhas, mais especificamente falando uma série chamada “A voz do louco”, a qual publiquei em diversos meios, desde fanzines, até revistas e jornais, inclusive fora do país, nunca me considerei um autor de tirinhas, um cartunista, mesmo tendo tido tremenda influência da santíssima trindade Laerte, Glauco e Angeli. Se for para me definir, sou um desenhista e sou um contador de histórias. Nunca pensei na piadade contá-la em três tempos como tirinhas, meu modo de pensar e criar sempre caminhou por histórias curtas ou longas. A partir do momento que criei a série de tirinhas “Banda Mamão” há alguns anos atrás (nome oriundo de um blog pessoal), comecei a trabalhar em tirinhas para exercer duas questões a mim importantes: publicando essas tiras semanalmente num blog, eu mantinha aceso o contato com o leitor diretamente, numa periodicidade, ao invés de hiatos de um a dois anos, tempo que se leva entre criar, desenhar e publicar um álbum. E segundo, existe um exercício de criação que me é muito interessante, do qual comento melhor daqui a pouco. Durante a produção das tirinhas do “Banda Mamão”, criei uma outra série dentro deste título que foi “David Escarlate”, um herói espacial bem nos moldes de ícones como Flash Gordon e Buck Rogers. A ideia não era fazer uma paródia, mas contar a história dentro de uma premissa descompromissada e para isso essas histórias seria-das nas tirinhas, ou como eu batizei: tirinhas episódios, não teriam um roteiro, a ação toda seguiria um fluxo de pensamento, ou seja, a história se conduziria de acordo com a reação dos leitores. Curiosamente, acredito que pelo fato da coisa toda ser feita descompromissada, o personagem caiu muito no agrado, o que acabou levando a finalização das tiras do “Banda Mamão”, para que então eu criasse um blog o qual batizei de “Quadro Imaginário”, onde ele traria essas aventuras em tirinhas episódios. Veio então, a segunda aventura do herói, “Missão Ampulheta Quebrada” e a nova heroína presentada, “Jambalaya, a rainha da Selva do Fundo do Quintal”, esta, fazendo homenagem às heroínas de aventuras na selva, como Shenna, entre tantas outras que existem. Então, a criação destas duas séries, à princípio, pois existem outras ideias para frente, é que exista uma premissa, um fio condutor, digamos assim, porém, como disse anteriormente, a história segue um fluxo de pensamento, embalado tanto pela reação do público, como pelo que minha cabeça dita conforme as semanas vão passando. O fato de ter entre uma a duas tirinhas episódios publicados semanalmente, faz com que eu me limite ao ritmo semanal para dar andamento à trama, em contrapartida, vai proporcionando que eu reinvente coisas e crie no-vas para a trama, e mesmo tire o leitor de seu campo de sossego e leve-o para algo inesperado. No formato três, quatro tirinhas, também não me vejo obriga-do a fechar uma sequência ou uma cena, tudo vai correndo conforme aquele mo-mento criado para trama permite, ou seja, há várias tirinhas episódios em que o conjunto da tira fecha uma cena, mas há muitos que não, pois existe a permis-são, digamos assim, que a cena pede, portanto estendo a sequência, às vezes, por duas ou mais tirinhas.
Novos personagens irão surgir para se juntar a tantos outros que povoam as páginas de jornais, revistas e produções independentes, bem como se manifestam on-line através de blogs e redes sociais, com uma resolução cada vez melhor, com um roteiro mais apurado. Tiras, seja de uma, duas, três ou mais quadros, importante na divulgação das Histórias em Quadrinhos.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
POSTERS DOS FANZINES: ILUSTRADO 9, MÚLTIPLOS 9 e 10
Os Fanzines Múltiplo e Ilustrado, da década de 90/2000 costumavam trazer no centro das edições um poster de um grande desenhista de HQ, e esses três não eram diferente, e trouxeram posters conforme a seguir:
Mini poster 001 (MICHÈLLE DOMIT) = FANZINE ILUSTRADO 10;
Mini poster 002 (ITAMAR PESSOA) = MÚLTIPLO 9;
Mini poster Múltiplo Girls (MÁRCIO SENNES) = MÚLTIPLO 10
terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
FANZINE ILUSTRADO 9, MÚLTIPLOS 9 e 10 - ANO DE 1993
COLA, CANETA, TESOURA, PAPEL, LETRAS AUTOCOLANTES, MUITA DISPOSIÇÃO E CRIATIVIDADE... ASSIM ERAM OS FANZINES MÚLTIPLO E ILUSTRADO PELOS IDOS DE 1993... PARA QUEM NÃO CHEGOU A CONHECER AS PUBLICAÇÕES DA ÉPOCA, UMA CHANCE ÚNICA DE DESFRUTAR DE GRANDES NOMES DOS QUADRINHOS NACIONAIS QUANDO OS FANZINES AINDA ESTAVAM ENGATINHANDO... EM BREVE NOVOS EXEMPLARES DOS DOIS FANZINES DAQUELA ÉPOCA... BOA DIVERSÃO...
Fanzine Ilustrado 010 by André Carim on Scribd
Múltiplo 009 by André Carim on Scribd
Múltiplo 010 by André Carim on Scribd
domingo, 19 de fevereiro de 2017
sábado, 18 de fevereiro de 2017
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017
FANZINE MÚLTIPLO 4 - FEVEREIRO DE 2017
CHEGANDO A 4ª EDIÇÃO DO FANZINE MÚLTIPLO COM DESTAQUE PARA A ENTREVISTA DO ALBERTO DE SOUZA, O AMIGO BERALTO E UM DEPOIMENTO EXCLUSIVO DO MESTRE DOS QUADRINHOS NACIONAIS JULIO SHIMAMOTO
Múltiplo 4 PDF by André Carim on Scribd
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