- Emir Ribeiro, Mestre dos Quadrinhos Nacionais -
Como começou no mundo dos quadrinhos?
EMIR RIBEIRO: Sempre gostei de desenhar, e quando comecei a colecionar na segunda metade dos anos 1960, empolguei-me e tentei produzir meu próprio material.
Qual a personagem mais importante criada por você? Qual a importância dessa personagem na sua carreira de quadrinhista?
EMIR RIBEIRO: Sem dúvida, a Velta, que sempre foi a preferida do público.
Trabalhou com seu pai nessa área de quadrinhos? Qual a importância disso para sua carreira?
EMIR RIBEIRO: Meu pai costumava me acompanhar aos jornais, quando tentava vender minha produção, além de dar uns pitacos quando comecei a produzir profissionalmente. Também foi meu parceiro na criação do índio Itabira, que sem dúvida é outro importante personagem da minha galeria, especialmente porque – a partir dele – desenvolveu-se outro projeto bem-sucedido: a História da Paraíba em Quadrinhos.
Índio Itabira, a História da Paraíba, em Quadrinhos, de Emir Ribeiro
Algum outro personagem marcou esse tempo no mundo dos quadrinhos? Se tiver mais de um, cite e nos fale sobre eles.
EMIR RIBEIRO: O Desconhecido Homem de Preto foi marcante por conta dos dois filmes que protagonizou, e assim, ficou bem conhecido nacionalmente.
Você pegou uma época difícil para o país no que diz respeito a política e ditadura. Isso influenciou você de alguma forma e no seu trabalho?
EMIR RIBEIRO: As conjunturas da época se refletiram nos personagens. A Velta, por exemplo, era um contraponto à censura ferrenha, com suas roupas sumárias e sensualidade à flor da pele. Boa parte do material dela era vistoriado, primeiramente por uma comissão censora de professores, na época em que foi publicada no jornal de colégio. Posteriormente, nas revistas independentes, era preciso entregar exemplares na Polícia Federal, mas nunca houve corte de páginas, desenhos ou temas. Acho que era mais gravoso falar mal do governo ou do regime do que colocar desenhos de mulher de tanguinha ou seminua. Apenas numa publicação de um jornal, a primeira dama do Estado reclamou de uma cena onde a loura-detetive, encurralada por um bandido, abaixa a calcinha para distrair o meliante e atacá-lo com mais facilidade.
Como foi publicar quadrinhos no Correio da Paraíba?
EMIR RIBEIRO: Não há muito a registrar sobre minha passagem nesse jornal, pois lá só publiquei Velta e Itabira durante o ano de 1980, no suplemento “Guri”, coordenado por Deodato Borges, pai do hoje “Mike” Deodato (que também publicou no mesmo tabloide, uma HQ do Ninja).
Falando em Paraíba, existem alguns nomes de destaque vindos desse Estado, acredita que é coincidência ou algum fator influenciou para que isso acontecesse?
EMIR RIBEIRO: O fato do jornal “A União” ter dado muito espaço para os quadrinhos na segunda metade da década de 1970 – tanto nas tiras diárias como no seu suplemento dominical “O Pirralho” - sem dúvida, influenciou muitos garotos a produzir. Tanto é que a maior parte dos nomes de destaque nos quadrinhos, surgiu na década de 1970.
Conte um pouco sobre seu trabalho na linha erótica.
EMIR RIBEIRO: Comecei publicando na Grafipar, de Curitiba, mas infelizmente, não foi por muito tempo, visto que a editora estava em declínio no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Quando os militares começaram a afrouxar as rédeas, na segunda metade dos anos 1980, surgiu a Press-Maciota em São Paulo, publicando várias linhas do gênero, e fui requisitado a participar de diversos títulos, com uma produção intensa, vez que o material estava vendendo bem. Geralmente, pediam mais histórias com temas cujas vendas estavam em ascensão e me solicitavam determinados personagens ou cenas. Lembro que, nessa época, ganhei um bom dinheiro com quadrinhos, e a fase se estendeu até o começo dos anos 1990.
De onde veio a inspiração para criar Velta?
EMIR RIBEIRO: Primeiramente, quis conceber uma criação que destoasse das demais vistas no mercado de quadrinhos da época, ou seja, que fosse diferente do habitual. A tônica da época era de os protagonistas serem homens fortes e musculosos, enquanto as mulheres se sujeitavam à condição de namoradas destes, quase sempre se apresentando como coitadinhas atrapalhadas e cheias de pudores, que precisavam o tempo todo serem salvas de encrencas. Por isso, minha criação seguiria o caminho oposto, tendo personalidade forte e decidida. O toque final veio pela oposição à censura, no vestuário sumário e na sensualidade. Para compor a forma física da Velta, inspirei-me, em parte, na figura da personagem de quadrinhos Pravda, a qual andava quase nua, montada numa motocicleta. O corpo bem brasileiro e os longos cabelos vieram de uma garota real que encontrei na praia de Boa Viagem, na capital do vizinho estado de Pernambuco.
Quais as características da personagem (Velta) e qual o público para o qual ela foi criada?
EMIR RIBEIRO: As histórias de Velta seguiam a linha dos super-heróis estadunidenses, porém, minha ideia sempre foi impor um estilo mais adulto. Só que, na época, qualquer tema mais forte ou polêmico, precisava ser tratado de forma camuflada, não tão evidente, para evitar ser podado pela censura. O fato é que a personagem sempre foi mais direcionada para um público maduro.
Trabalhou para editoras internacionais? Quais trabalhos e qual o destaque para esses trabalhos?
EMIR RIBEIRO: Fiz trabalhos para a Marvel, DC, Image e outras menores dos EUA, entre 1993 e 2006. Na maior parte das vezes, trabalhei como desenhista e/ou arte-finalista fantasma. Como meu estilo era o mais parecido com o de Deodato, e visto que ele teve visibilidade rápida pela participação no título da Mulher-Maravilha, fui requisitado para suprir a consequente demanda de material pedido pelas editoras. Houve casos onde fazia todo um desenho, e no final, minha assinatura era trocada pela de Deodato, para que o material fosse mais atraentemente vendável aos leitores. Por isso, eu costumava fazer um truque: camuflava meu nome ou nomes, logotipos e figuras dos meus personagens, só para marcar minha presença no trabalho. Quem rever revistas daquela época vai encontrar trabalhos assinados por “Deodato Studio” onde há cenários onde aparece um caminhão com o nome “Ribeiro” na carroceria, ou um jornal com a manchete “Emir was here”, ou uma Elektra usando um hobby com o logotipo da Velta, e etc.
Apesar disso e dos editores geralmente serem bastante chatos, não tenho o que reclamar quanto ao pagamento. Foi outra das épocas nas quais ganhei mais dinheiro com quadrinhos.
É verdade que não lhe deram os créditos dos desenhos que fez para fora?
EMIR RIBEIRO: Na maior parte das vezes, sim. Isso porque Deodato “estourou” logo por ter trabalhado no título de uma personagem bastante conhecida, gerando um interesse muito grande e as editoras correram para ter material do novo astro nos seus títulos. O estúdio que nos agenciava precisava mesmo aproveitar a excelente oportunidade de ganhar um bom dinheiro, e por isso, abastecia as editoras com desenhos “assinados” por “Deodato”.
No entanto, algumas poucas edições estamparam meu nome nos créditos.
O que é “A Volta do Homem de Preto” e qual a importância dele para você?
EMIR RIBEIRO: Foi a sequência ao primeiro filme, que mesmo sendo amador e filmado no sistema VHS, foi bem divulgado nacionalmente. A continuação era um caminho natural.
Prefere preto e branco ou colorido em seus trabalhos?
EMIR RIBEIRO: Sempre achei que o preto e branco dá mais oportunidade de ver melhor os desenhos. Porém, o público se habituou às cores, e só não faço uso delas em edições impressas por encarecer bastante o preço unitário de cada exemplar.
Qual a importância das HQs da Velta coloridas?
EMIR RIBEIRO: Quem lê HQs em preto e branco sempre fica com algumas perguntas, do tipo: qual a cor da roupa dela? Qual a cor dos cabelos desse personagem? Enfim, algumas curiosidades de leitor que não ficam satisfeitas na impressão em preto e branco. Por isso, uma vez ou outra, fiz questão de lançar edições coloridas.
Você foi finalista do prêmio Jabuti 2014 pelo livro “Fantasmagorias de R. F. Lucchetti”, o que foi esse trabalho e qual a importância de ter chegado à final com ele?
EMIR RIBEIRO: Primeiramente, foi uma ótima oportunidade de trabalhar em parceria com um ícone cultural brasileiro, de quem sempre fui fã. Haver sido indicado na categoria de ilustração no prêmio Jabuti foi a prova de que a parceria deu certo. Melhor que isso, só se houvesse ganhado o Jabuti. Mas, quem sabe, no futuro...?
Como você viu e como você vê hoje o mundo alternativo de fanzines e quadrinhos alternativos?
EMIR RIBEIRO: Os fanzines foram muito importantes na divulgação e mesmo na evolução de vários artistas, principalmente na década de 1980. Atualmente, com a internet, vejo que o movimento está mais esvaziado, mas penso que se a frequência de lançamentos voltar, os fanzines podem ficar em alta novamente.
Editou algum fanzine? Como define o seu trabalho nesse universo?
EMIR RIBEIRO: A maioria das minhas publicações sempre teve um tom mais profissional, pois saíam em jornais e revistas impressos em offset. Que me lembre, o único fanzine que editei foi o Minizine, no fim dos anos 1970, que depois voltou na segunda metade dos anos 1980, com HQs inéditas e impresso em offset. Participei ainda, com um grupo de amigos, do “Gigante Verde”, que durou 14 números, salvo engano.
Trabalhou profissionalmente com quadrinhos? Valeu a pena? Quais trabalhos?
EMIR RIBEIRO: Quase sempre fui remunerado pelo meu trabalho com quadrinhos, desde o começo nos jornais, em 1975, até a fase de exportação, que foi até 2006. Sem dúvida, valeu a pena. Eu esperava que valesse ainda mais, mas, dentro da situação brasileira, creio ter conseguido bons resultados.
Quem é a “Velta”? Quais as características da personagem e qual a área de atuação dela?
EMIR RIBEIRO: Velta é uma detetive particular que ganha dinheiro com os poderes que adquiriu. Porém, nem sempre ela visa lucro, e quando é preciso, ajuda as pessoas sem ser paga para tal. Ultimamente, nas histórias mais recentes, ela resolve explorar sua figura em outras áreas, como na do mundo da moda, e numa edição ainda inédita, Velta tenta a sorte como atriz. Ou seja, ela se encaminha para ser uma personagem multimídia, bem diferente do seu começo com mera heroína caça-bandidos.
Como vê a personagem Velta ter se tornado musa do Universo Independente de Quadrinhos?
EMIR RIBEIRO: Primeiramente, acho ótimo que tenha sido um processo que ocorreu naturalmente, e também fico contente que minha criação tenha conseguido causar essa reação no público e no meio quadrinhístico nacional.
Quantas edições com a Velta você lançou? A HQ da personagem pode ser considerada erótica?
EMIR RIBEIRO: Nunca me preocupei em contar, mesmo porque a maior parte delas não tem numeração sequencial. Creio que uma personagem erótica é aquela que explora o sexo como tema principal. Não é o caso de Velta. Creio que ela se encaixa mais na linha sensual. Sexo é apenas UM dos componentes das histórias, mas nem é tratado de forma explícita. Acho que há muitos outros ingredientes nas HQs que produzo, porém, como sexo ainda se constitui um tabu, é sempre mais visualizado, especialmente pelos “críticos”.
Quem é Raio Negro e qual sua participação nas HQs da Velta?
EMIR RIBEIRO: Raio Negro é um personagem clássico dos quadrinhos brasileiros, criado pelo saudoso Gedeone Malagola na década de 1960, foi uma das criações mais bem-sucedidas do seu tempo, e ainda hoje é lembrado pelos fãs e leitores. Em 1989, quando Gedeone me visitou aqui na Paraíba, combinamos fazer uma HQ reunindo o Raio Negro e a Velta, mas, como quase todo projeto de quadrinhos no Brasil demora a ir para o papel, somente em 2008 se tornou realidade. Infelizmente, foi naquele mesmo ano que Gedeone faleceu. O título “Velta & Raio Negro” ainda durou até o Nº 4, mas não prossegui com ele, visto que haveria mais dificuldade em obter permissão da família para prosseguir com o personagem. Antes, era mais fácil porque eu tinha contato direto com Gedeone, seja por carta ou telefone. Mas, seria ótimo que alguém continuasse com as aventuras do herói, para que o mesmo não terminasse esquecido.
Quem foi a musa inspiradora para criar a Velta?
EMIR RIBEIRO: Conforme lhe disse anteriormente, uma garota de longos cabelos que vi numa praia de Recife/PE e a personagem francesa/belga Pravda.
Tem alguma relação da Velta com o universo Marvel? Ela é uma mutante, de onde veio a inspiração para esses poderes e para o tamanho da garota?
EMIR RIBEIRO: Creio que a única relação com a Marvel tenha sido a linha inicial das suas histórias, que seguiam mais ou menos o mesmo trajeto. Porém, em pouco tempo, comecei a me afastar dessa linha, e hoje não há mais nada que se possa associar a Velta com a Marvel estadunidense.
Com relação aos poderes, não se trata de mutação, mas sim de aquisição. Aliás, acho o expediente da mutação genética um meio simplista de dar capacidades especiais a um personagem. Sempre preferi o meio artificial, que dá mais possibilidades de novas tramas às HQs. Eu teria dado qualquer tipo de poder a ela, visto que era característica do gênero a personagem principal ser dotada de algum dom especial. Preferi somente a emissão de rajadas e a cura acelerada, pois não a tornaria nenhuma semideusa superpoderosa e invencível - o que teria deixado as HQs excessivamente distantes da humanidade real. A altura e os exageradamente longos cabelos, são componentes usados para dar características bem próprias à personagem. Da mesma forma são as sobrancelhas da personagem Nova. Quando alguém se refere a alguma delas, é natural que diga: “É aquela loura grandona de cabelos enormes? ” (Velta). Ou “É aquela ruiva de sobrancelhas estranhas”? (Nova). Ou seja, são elementos fora do normal que identificam e individualizam cada personagem.
Sei que você é um dos mais fervorosos defensores das HQs brasileiras, como você vê isso e qual o principal motivo? Considera nossos quadrinhos bons ao ponto de competirem com os internacionais? O que precisaria acontecer para que as HQs brasileiras decolassem?
EMIR RIBEIRO: Não se trata de ser defensor fervoroso. O assunto é bem mais complexo. Não se trata de causas ideológicas ou patrióticas. Estamos tratando meramente de negócios, e em negócios há a concorrência. Os quadrinhos estrangeiros só dominam o público brasileiro porque fizeram bom uso da propaganda, e tiveram bastante ajuda de inocentes úteis nesse processo. Alie a isso aquele eterno complexo de vira-lata do nosso povo, que quase sempre pretere o material produzido no Brasil ao estrangeiro. Dessa forma, o estrangeiro não só domina, como impede que haja um mercado interno de quadrinhos. Dessa forma, artistas e personagens nacionais não vingam, não derivam outros produtos com imagens de criações locais (estampadas em camisetas, lancheiras, cadernos e outros produtos). Ou seja, a falta desse mercado interno de quadrinhos não permite que mais artistas se sobressaiam e não ganhem dinheiro com sua arte. Daí essas pessoas, com grande potencial artístico, vão ser embaladores de supermercado, guardas de banco ou burocratas. Ora, não é um enorme desperdício de talento? É justo que pessoas com essa qualificação não consigam ganhar dinheiro com sua arte (e consequentemente possam evoluir ainda mais seu trabalho)? É justo que bons personagens fiquem ofuscados pelo poderio da propaganda estrangeira?
No final das contas, observe que tudo isso se reflete na condição econômica do país. Portanto, é preciso observar todo o processo com uma visão macroscópica e menos simplista.
Enquanto houver um quadrinhista nacional dando vivas e fazendo propaganda gratuita de personagens e artistas estrangeiros, este estará prejudicando a si próprio e a outros seus colegas brasileiros que trabalham no mesmo ramo. É uma atitude profissionalmente suicida.
Como é chegar a 40 anos publicando Quadrinhos independentes? Seu fôlego ainda é o mesmo?
EMIR RIBEIRO: Na verdade, em 2018, já serão 45 anos. Para mim, produzir quadrinhos é parte da minha fisiologia. Não dá para ficar muito tempo parado. Minha cabeça está sempre trabalhando, até de forma automática. Creio que meus neurônios (ou seja, lá quais células mais) tem necessidade de estar sempre criando alguma coisa. Colocando a coisa em termos de super-heróis de quadrinhos: é como um poder que precisa estar sendo usado constantemente (Risos). Acho que meu fôlego continua o mesmo. A diferença é que estou mais experiente, mais crítico e mais objetivo.
Como você vê a mudança nas produções e publicações com a era digital?
EMIR RIBEIRO: Não me adaptei bem, pois ainda faço as páginas em papel, com material físico (caneta, lápis, pincel, etc.). A parte digital está nos balões, letras e cores. O restante é todo produzido à moda antiga.
Há artistas que usam canetas digitais para desenhar, mas não é o meu caso. Ainda prefiro o velho papel.
Utiliza alguma referência no seu trabalho? Hoje, de onde vem sua inspiração?
EMIR RIBEIRO: Não utilizo referências e nem inspiração em outros trabalhos. Há algumas décadas passadas, ainda cheguei a usar, mas quando defini estilo próprio, esqueci por completo das inspirações iniciais. Não havia mais sentido prático em continuar a usar.
Qual artista te levou a fazer quadrinhos? Quem admira nesse universo de HQs?
EMIR RIBEIRO: Sempre gostei do saudoso Jack Kirby, justamente porque ele fazia diferente em meio ao que era publicado na época. No Brasil, Eugênio Colonnese e Rodolfo Zalla eram artistas frequentes das publicações. Eu admirava todos estes, e continuo gostando até hoje.
Se pudesse escolher hoje, faria tudo de novo?
EMIR RIBEIRO: Faria. Não me vejo em outra atividade senão como produtor de quadrinhos.
Quando se fala em FANZINE, qual a primeira coisa que lhe vem à mente?
EMIR RIBEIRO: É uma sensação boa, pois foi o veículo no qual me tornei mais conhecido como artista.
Qual a sua formação além dos quadrinhos? Como concilia quadrinhos, família e trabalho?
EMIR RIBEIRO: Eu já fiz de tudo um pouco. Sou formado em contabilidade (dá para acreditar?). Quase me formei em arquitetura. Mas, já trabalhei em banco, já fui professor de matemática e desenho, e trabalhei na carreira judiciária. Porém, o trabalho que me realizava plenamente era a produção quadrinhos – com personagens MEUS - para jornais e revistas.
A maior parte desses empregos, portanto, visava a necessidade de sobreviver e pagar as contas. Os quadrinhos – quando não eram a principal fonte de ganho - ficavam para as poucas horas livres, pois, em termos bem objetivos, era preciso primeiramente se auto sustentar e à família.
Tem alguma mágoa com relação ao mundo dos quadrinhos? E a maior alegria?
EMIR RIBEIRO: A parte negativa é saber que o Brasil dá tão pouco valor aos quadrinhos produzidos pelos artistas locais. Mas, me alegro por ter conseguido um relativo destaque nesse meio difícil.
O que leva você a contribuir com os fanzines nacionais?
EMIR RIBEIRO: Contribuir para – mesmo “remando contra a maré” – que um dia haja um mercado nacional de quadrinhos, e os artistas consigam trabalhar naquilo que gostam e ganhar bem, deixando todos felizes.
Além da Velta, há algum outro personagem seu que você tenha um carinho especial?
EMIR RIBEIRO: A Velta foi a que mais obteve visibilidade, mas gosto de todas as outras criações. Se um dia, alguma delas conseguir o mesmo nível de divulgação obtida pela Velta, pode crer que trabalharei bastante com ela, a fim de satisfazer o público.
Qual a sua preferência de HQs? Tem algum personagem de outro autor que você curta?
EMIR RIBEIRO: Atualmente, não tenho um gênero preferido. Qualquer um que me entretenha com boas histórias e personagens bem estruturados, será apreciado. Quanto aos personagens fixos, eu gostava muito do Judoka da EBAL, e lamentei o dia em que foi cancelado (pena que nunca cheguei a assistir o único filme que fizeram dele, nos anos 1970) . Gosto muito da Mirza, do Colonnese, e é uma pena que a produção parou com o falecimento do mestre. Da mesma forma é com a “Naiara, filha de Drácula”, desenhada pelo saudoso Nico Rosso. E tem ainda o Raio Negro do Gedeone, que se sobressai pela criatividade que sempre lhe foi característica.
Na sua opinião, o que determina o sucesso de uma personagem?
EMIR RIBEIRO: Primeiramente, a propaganda. O público sempre foi e continuará sendo suscetível aos apelos mercadológicos.
Fale um pouco sobre o seu estilo de desenho. Que materiais utiliza? Como definiria seu traço?
EMIR RIBEIRO: Dentro das minhas limitações pessoais, sempre tentei fazer um traço realista, não cômico e nem caricatural. Posso trabalhar em qualquer gênero que se encaixe nesse estilo: terror, aventura, erótico, drama, etc. Costumo usar o mesmo material que usava no começo: papel, canetas de nanquim ou de ponta porosa, pincéis, lápis, grafite e borracha, além de réguas e curvas francesas. Não gosto de trabalhar em superfície inclinada. Tenho algumas manias artísticas: prefiro desenhar sob a luz natural, em um local sem barulho algum, sem gente por perto, enfim, num certo isolamento.
Tem algum projeto em execução? Tem alguma ideia em planejamento?
EMIR RIBEIRO: Continuo produzindo a série de Velta, que continua vendendo bem, fazendo ao menos uma edição por ano. Estou aprontando material comemorativo para os 45 anos de atividade, em 2018. Escrevi um livro contanto alguns detalhes do meu passado como quadrinhista e republicando algumas antigas HQs, e espero poder publicá-lo em 2018. Também em 2018, deverá sair um especial escrito pelo mestre R. F. Lucchett e desenhado por mim, numa homenagem à “Naiara, filha do Drácula”, tendo a Velta como protagonista.
Depois disso, estive pensando em fazer uma edição de terror. Mas, ainda é só uma ideia.
O que você gosta de ler, tanto em literatura quanto em quadrinhos?
EMIR RIBEIRO: Nos últimos anos, estive tão ocupado que quase não leio coisa alguma. Às vezes começo a ler, mas não dá para concluir. Espero poder ter mais tempo para a literatura, nos próximos anos.
Onde podemos encontrar trabalhos seus publicados?
EMIR RIBEIRO: Infelizmente, em livraria, gibiterias e bancas é bem difícil. Distribuo meu material em algumas bancas do estado de São Paulo e na Comix, porque são as que não me causam problemas quanto a pagamento das vendas. No mais, vendo diretamente aos leitores de qualquer estado, naquele velho sistema de depositar antecipadamente o valor na minha conta bancária, e a remessa das edições ser efetuada pelos correios.
Qual o maior problema, na sua opinião, do mercado de quadrinhos nacionais?
EMIR RIBEIRO: Há muitos problemas, mas o principal é a distribuição, visto que o setor é subalterno das grandes corporações dos “comics” e fazem o que estes mandam, não dando espaço para o material local. E quando dão, na base do fingimento, usam de subterfúgios para impedir a visibilidade e a venda de quadrinhos brasileiros.
O que acha da quadrinhização de obras literárias nacionais? Fez alguma?
EMIR RIBEIRO: Gostava de ler, quando saiam pela extinta EBAL, e tenho algumas delas aguardadas até hoje. São importantes na divulgação e popularização de escritores nacionais, também esquecidos pela mídia. Lamentavelmente, nunca tive oportunidade de fazer nenhuma, mas se um dia a chance aparecer, estarei disponível.
Quem é o seu maior incentivo a continuar produzindo?
EMIR RIBEIRO: Meu público, que sempre está à espera de que eu produza material novo (e sou cobrado, quando demoro a publicar). Por isso, enquanto existir esse público, estarei criando algo...
Quem é o Emir Ribeiro? Quais seus sonhos?
EMIR RIBEIRO: Uma pessoa simples, que ainda acredita na ética, na honestidade, no respeito e no bom senso – apesar de serem ingredientes raros nos dias de hoje. Parei de sonhar há anos, visto que a situação do país e do mundo piora, quando as pessoas inverteram os valores morais e éticos, e cada dia que passa surge uma péssima surpresa. Parei de sonhar e me concentro a viver e trabalhar diante da situação que se apresenta. Meu modo de ser prefere não viver em “mundinhos de fantasia” e manter os olhos abertos à realidade e agindo conforme a mesma, mas sem esquecer dos valores nos quais fui criado.
Hoje em dia vemos um público de quadrinhos muito ausente, pouco participativo em comentários e em participação nos fóruns. Na sua opinião, a que se deve isso?
EMIR RIBEIRO: Diante da situação do mundo, as pessoas se fecham em torno de si próprias. O isolamento acaba sendo forçado, mas necessário, visto que comentários, sugestões ou opiniões não parecem mudar o atual estado de coisas. É difícil se conversar com qualquer assunto sem que apareçam pessoas partindo para ofensas e deboche. Não sei quanto aos outros, mas, pessoalmente, não gosto de participar de troca de farpas e nem briguinhas. Não faz bem a ninguém.
Lembro que há uns tempos, quando me perguntaram se havia gostado de determinada série de quadrinhos, opinei contrário à maioria e fui hostilizado e desrespeitado. Por isso, depois dessa, prefiro ficar de boca fechada e não participar de debate algum. No dia que as pessoas aprenderem a ser mais educadas e aceitarem a opinião alheia divergente, talvez eu volte a participar. Por enquanto, estou fora. Deve ser o mesmo que sente boa parte dos que leem quadrinhos: preferem o silêncio à briguinha sem sentido.
O que acha da participação feminina nos quadrinhos?
EMIR RIBEIRO: Mesmo com o correr do tempo, continua pequena. A verdade é que o quadrinho sempre foi uma forma de arte cujo público é eminentemente masculino, e continua sendo. Tomara que isso mude, no futuro.
Considera uma melhora na qualidade das HQs nacionais? A que se deve isso?
EMIR RIBEIRO: A internet deu mais visibilidade ao material nacional, mas – à vista do meu tempo curto – nem estou acompanhando o que se desenrola atualmente. Conforme comentei anteriormente, há anos não consigo ler as novidades, por absoluta falta de tempo disponível.
Se a Velta pudesse fazer uma pergunta ao Emir Ribeiro, o que ela perguntaria?
EMIR RIBEIRO: “Vai me manter viva até quando? ” Rs.
Breve currículo.
EMIR RIBEIRO: No livro que escrevi e pretendo publicar em 2018, tem esse currículo, não tão breve, mas bem sintético. Vamos esperar um pouco para ver?
Alguma mensagem para os fãs da Velta? Algo a dizer aos leitores que acompanham seu trabalho? E aos artistas iniciantes, que conselho poderia deixar?
EMIR RIBEIRO: Virão algumas surpresas nas próximas histórias dela, as quais – boa parte - se baseiam em antigas histórias. Os saudosistas vão gostar. E quanto aos novos, para conhecer melhor os primeiros tempos da personagem, não percam a coleção virtual ”Velta, a super-detetive” (que está saindo atualmente, na “Social Comics”) e saiu uma parte no blogue “Rock & quadrinhos”.
Para os artistas iniciantes, o conselho é o de sempre: tentem fazer diferente, pois só assim haverá mais chances de se sobressaírem nessa espinhosa profissão (no Brasil claro). A autocrítica é a melhor arma para crescer e evoluir o trabalho.
Um grande abraço e obrigado pelo carinho em atender à entrevista, muitas novidades virão, tenho certeza, e acredito que o seu trabalho é de suma importância para o desenvolvimento do nosso quadrinho nacional.
André Carim